A estudante do curso de
Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri – URCA, Alice Freitas, Mãe
Alice como é conhecida é umas das vozes dos terreiros de candomblé da região do
Cariri. Nascida dentro dos terreiros, participar das lutas contra intolerância religiosa
na região do Cariri e diz que já foi vítima de preconceitos por ser de religião
de matriz africana.
Alexandre Lucas - Quem é
Mãe Alice Freitas?
Mãe Alice: Uma jovem de vinte e poucos anos,que
estuda ,trabalha, porém, possui algumas responsabilidades a mais da maioria das
pessoas da sua idade, que é cuidar da vida espiritual das pessoas que
escolheram ficar ao seu lado dentro da religião,tentando proporcionar o maior
bem estar possível em vários sentidos da vida das mesmas.
Alexandre Lucas - Como
se deu seu contato com a religião de matriz africana?
Mãe Alice: Minha
Mãe (Mãe Célia),antes do meu nascimento,freqüentava um terreiro em São Bernardo
do Campo – SP,e conheceu meu Pai lá,ambos posteriormente se tornaram da
religião,sendo que meu Pai se iniciou antes de minha Mãe,e minha Mãe fez sua
iniciação no Candomblé grávida de mim,aos 6 meses de gestação,então nasci nessa
realidade já,sendo que por alguns momentos da minha vida não quis
segui-la,porém o destino tratou de me trazer de volta no decorrer da minha
trajetória,mas me lembro quando criança,em São Bernardo,que ia com minha Mãe
nos candomblés,tanto na casa da zeladora da gente,como em outros terreiros,e
quando me mudei para o Juazeiro não foi diferente,mesmo adolescente,acompanhava
minha Mãe nos terreiros de amigos dela aqui na região.
Alexandre Lucas - É
necessário existir uma luta em defesa da tolerância religiosa no Brasil?
Mãe Alice: Com
certeza, até porque não se trata de ninguém tolerar ninguém, é uma questão de
mútuo respeito, onde nossa constituição defende a laicidade do país
Alexandre Lucas - Você
já sofreu algum preconceito por ser do candomblé?
Mãe Alice: Durante muito tempo, principalmente
quando adolescente, tive alguns problemas com minha religião, chegando até a
não declarar e até mesmo renegá-la por medo de rejeição com colegas de escola, pois
vi uma outra colega, naquele tempo, sobrinha somente de uma pessoa da
religião,sendo excluída pelas outras porque souberam do fato,isso me marcou
muito.Quando assumi para tod@s qual era minha religião,já por volta dos 19
anos,tive problemas com o afastamento de pessoas por conta disso,mas também
tive aproximação de outras por curiosidade ou por entender e respeitar minha
escolha,as perdas foram muito dolorosas,mas depois a gente entende que quem te
ama,te respeita como ser humano,independente de credo.
Alexandre Lucas - Existem
terreiros de candomblé na região na região do Cariri?
Mãe Alice: Sim!
Temos terreiros de candomblé principalmente no Juazeiro do Norte, mas há também
na cidade de Missão Velha, nossa vizinha!Já existem mapeamentos sobre esses
terreiros existentes na região, alguns já deixaram de existir, mas há um de
pelo menos 25 anos de existência; estamos aqui já tem muito tempo, mas agora é
que estão nos descobrindo.
Alexandre Lucas - No
Crato existem muitos terreiros de Umbanda. Qual a diferença entre a Umbanda e o
Candomblé?
Mãe Alice: A Umbanda é uma religião genuinamente brasileira,
e tem sua fundamentação documentada em 1908,no Rio de janeiro a partir de um
caboclo denominado “Sete Encruzilhadas” e tem como característica principal a
mistura de vários traços de outras religiões,como a Kardecista,a Indígena,o
Católica e a Africana,ela trabalha principalmente com o culto a caboclos,pretos
velhos,e as chamadas Pombogiras, espíritos desencarnados que vem a este plano
através da incorporação para ajudar as pessoas necessitadas de algum auxílio
espiritual.
Já o Candomblé é uma religião de culto a divindades vindas das África,podendo ser denominadas de Orixás, Voduns ou Inkices, dependendo de qual parte do País tenha vindo o seu povo, veio com os escravos e está diretamente ligado com as energias da natureza,como o ar,a água,a terra,o fogo,essas divindades vêm à terra para dançar com os seus escolhidos através da incorporação e do chamado dos tambores ritualísticos ,os “atabaques”.
Alexandre Lucas - Muitas
das manifestações da cultura popular foram originadas dentro dos Terreiros de
Candomblé. Você consegue percebeu isso nas manifestações culturais da tradição
no Cariri?
Mãe Alice: Sim, principalmente no que se trata
aos sons, os tambores são muito particulares com relação a musicalidade
ancestral, africana.
Alexandre Lucas - Você também
dança. Fale desse trabalho?
Mãe Alice: Comecei
a ensinar a dança dos Orixás para os adeptos, como parte de um terreiro, nada
além disso. Daí conheci o Linconly (Sacerdote de Candomblé que hoje reside em
Fortaleza) que na época, acho que 2007, criou um grupo de dança denominado Afoxé
Oba Orum no Crato, comecei a dançar junto com eles, fizemos muitas
apresentações, indo até pra Fortaleza, até que as correrias da vida me fizeram
me afastar, mas sempre pensando em como continuar a fazer algo que eu tanto
gostava, até criar junto com minha amiga Yáskara, em 2013, o Olu Odô, que me
faz sonhar de novo com a arte de dançar. Não sou profissional, mas tenho um
imenso carinho pela dança, e com certeza há muito amor empregado nesse sentido.
Alexandre Lucas - Como
estão os trabalhos do grupo Olu Odo?
Mãe Alice: Por
enquanto estamos parados no momento, procurando fazer articulações para dar
continuidade ao projeto que transcende a parte da dança dos Orixás, é algo
muito maior.
Alexandre Lucas - Quais
os seus próximos trabalhos?
Mãe Alice: Nós
pretendemos expandir o grupo, com oficinas complementares, mas não podemos
falar muita coisa por enquanto, pois ainda estamos na parte do projeto, as
ideias são muitas, mas sentimos dificuldade no apoio para dar segmento, ainda
assim, estamos na luta. Espero que em breve possamos voltar para dar
continuidade a esse e outros muitos projetos que fervilham em nossas cabeças.
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Mãe e filha - duas mulheres de terreiro |