quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Geraldo Junior – Um caboclo de asas

Articulado, inquieto, poeta, músico, brincante, ator, produtor e missionário do Estado Espiritual do Cariri Geraldo Júnior espalha pelo Brasil e mundo a musicalidade que ele denomina de Música Cariri, Música regional plugada no universo. Um dos fundadores da banda Dr. Raiz.

Alexandre Lucas - Quem é Geraldo Júnior?

Geraldo Junior - Sou um Cariri, filho de Geraldo Freire e Zilmar Batista! Sou um privilegiado por ter nascido nessa região tão rica e bela e sou muito feliz pelos amigos que tenho! Hoje vivo em transito, acho isso normal, é uma necessidade da minha labuta, queria pode estar entre aqui e lá mais vezes, mas o teletransporte ainda não foi popularizado, por enquanto tenho que me contentar com visitas semestrais! A internet ajuda muito a manter esse contato e de certa forma nunca sair do cariri, pois ele está dentro de mim! Me expresso artisticamente através dessa lente! Tento estar conectado com o mundo real e virtual além-sertão, além-mar, além-céus!

Alexandre Lucas - Você dar poesia?

Geraldo Junior - Não tenho a ousadia de me considerar poeta! Humildemente descrevo alguns sentimentos e sensações que vivi e vou vivendo por aí, o que se torna música ainda é um tatinho mais elaborado rsrsrs, mas a musicalidade de minhas palavras é empírica. Gosto de ler e viver tudo que absorvo! Mantenho dois blogs! o Caboclo de Asas, com temas diversos e o Poesia Cariri, com temas diretamente ligados ao que escrevo em relação a região. Este segundo precisa ser atualizado. Farei isso esses dias...

Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?

Geraldo Junior - Ainda criança! Meus pais me deram boas pisas e referencias de caráter! Boa música! Estórias de meus pais, tios e outros familiares, as viagens pra Caririaçu no sitio de nossa família! Os reisados nas ruas, as bandas de pifano! As romarias… Ai uma vez invetei de entrar na fanfarra do Colégio Municipal de Juazeiro! Aí pronto! Toquei, piston, cornetão, lira, tarol, surdo, bumbo… Depois comprei uma guitarra! E foi aquela revolução na minha vida! rsrsrs
Com os amigos da escola colocamos uma banda de rock, e logo em seguida tivemos o grupo Dr. Raiz, nesse meio tempo estive envolvido e fiz várias oficinas de teatro e musica de cena! Hoje prestes a completar 32 anos, acho, considero que tenho 15 anos de carreira! E ainda continuo correndo muito! rsrsrs

Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?

Geraldo Junior - Olha, dentre tantos nomes que eu poderia citar da música brasileira e universal, que são óbvios, e claramente perceptíveis, prefiro falar de artistas e grupo do meu lugar, e que me dão identidade! Todos os mestres e grupos de cultura popular da região! Esse conhecimento junto com toda a cultura popular do cariri! São a essência do meu trabalho! As influencias… É tudo que se possa imaginar, até o que "não presta" e o que "não gosto"! rsrsrs mas sempre sem perder la ternura! Jamais!

Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória?

Geraldo Junior - Como falei antes! Comecei, desde quando passei a ter uma idéia e percepção do mundo onde estava inserido! Sempre escrevi, logo cedo comecei a cantar e tocar brincando, até que ficou mais sério! Muita coisa devo aos meus companheiros de trabalho como a banda Dr. Raiz, e todos que por nela passaram! As viagens que fizemos juntos, a minha não tão breve passagem pelo meio acadêmico no curso de letras da URCA (ainda pretendo voltar), minha ex-companheira, Dane, me ensinou muita coisa sobre produção! Sobre arte, sobre a vida. Muito do que sou hoje devo especialmente a ela, a qual tenho muito carinho! Os trabalhos que fiz com os grupos de cultura popular da região, sempre como vivência ou troca, amizade mesmo… nunca quis estar com um gravador ou um caderninho anotando… Acho isso importante, mas, preferi estar apenas do lado mesmo. Tenho muito carinho por todos e sou feliz porque sei que isso é reciproco! Nomes como Zabumbeiros, Abdoral, Salatiel, Luiz Fidelis, Luciano Brayner! Entre tantos outros me são referencia! Considero o Dr. Raiz meu 1º disco! Com muito orgulho. Depois fiz o calendário com uma rotatividade maravilhosa de músicos gravando e tocando! Darlan, Cicero Tertuliano, Antonio Queiroz, Flauberto Gomes, Maria e Francisco Gomide, Ranier Oliveira, Genival do Cedro, Lifanco e Rebeca e Joana Queiroz! E claro, o excepcional Beto Lemos, meu grande parceiro, arranjando e tocando varias coisas! Ibbertson Nobre também foi muito importante nesse processo! Aprendemos muito com ele! Salve!
Atualmente estou finalizando o meu novo disco que tem como nome provisorio "Warakidzã - Senhor do Sonho"o disco se aprofunda ainda mais nas raizes ancestrais do povo cariri com suas historias, personagens e lendas! O novo album além dos sons mais tradicionais, também traz uma sonoridade um tanto psicodélica, onde timbres de guitarra e efeitos eletrônicos serão percebidos mais de cara! Pretendo lançar até novembro. A formação da banda, ja é uma galera de vários lugares que conheci aqui no Rio, grandes parceiros! Se não fosse essa galera não teria como estar com esse novo trabalho: Beto Lemos e Ranier Oliveira - Cariri, Filipe e Marcelo Müller - Rio Grande do Sul, Gabriel Pontes - Rio de janeiro, Eduardo Karranka e Cláudio Lima - Bahia e ainda mesmo não gravando, pessoas que tem me acompanhado nos shows: Joana Araujo - Maranhão, Ricardo Miranda - Cariri, Abu - Bahia e por aí vai!

Alexandre Lucas - Você participou da Sociedade dos Cordelistas Malditos?

Geraldo Junior - Participei sim! Foi um momento de muito aprendizado! Infelizmente como cordelista de fato, sou um fiasco! rsrsrs mas minhas letras inevitavelmente passam pelas métricas dos folhetos e cantorias! Algumas delas são escritas mesmo na métrica dessa escola!
Salve meus amigos da SCM desde os seus primórdios ainda no circulo de leitura do SESC Juazeiro! Abraços em todos!

Alexandre Lucas - Como você caracteriza seu trabalho?

Geraldo Junior - Música Cariri. Música regional plugada no universo!

Alexandre Lucas - Como você ver a relação entre arte e política?

Geraldo Junior - Olhe, a política pode ser uma arte, como qualquer outra coisa que um ser desenvolva. A arte também pode ser política ou não. A minha naturalmente, geralmente é, às vezes não. Não me prendo a isso. O que crio, só desconfio ou descubro o que é quando já é por si só, em todos os aspectos.
Contudo, vejo com fundamental importância, ser politizado. Infelizmente hoje o termo esta bastante desgastado, né?!… E pra não confundir prefiro chamar de politicagem, o que acontece de negativo em relação a este assunto. Que pra não fugir do tema, por hora, prefiro falar com brevidade.

Alexandre Lucas - O seu trabalho vem se expandindo pelo Brasil?

Geraldo Junior - Bastante! E agora felizmente, também pelo exterior! Já toquei em várias regiões do país e mesmo onde ainda não fui fisicamente, meu trabalho já foi até lá por conta dos meio virtuais! A internet é uma ferramenta fundamental e maravilhosa pra difusão da música, se comunicar com os amigos, os fãs, (hoje é quase a mesma relação) gosto de manter contato com todos e tenho muito carinho por isso. Toma tempo, claro, mas sou bastante recompensado pelo tempo que dôo a isso! Esse ano fui a Coimbra num evento maravilhoso da universidade em parceria com o SESC. Lá fizemos vários contatos e já existem propostas pra voltar em breve!

Alexandre Lucas - Recentemente você esteve em Portugal. Fale desta experiência.

Geraldo Junior - O evento foi a "Mostra SESC Luso-brasileira de Culturas"! E contou com artistas brasileiros, especialmente do ceará, e também de grupos portugueses! Foi um importante intercambio, lá estive com meus colegas do Dr. Raiz, mais outros queridos como Franklin Lacerda, Ermano Morais, Os Anicetos! Imagina essa cambada no velho mundo?! Rapaz, junto com o pessoal de lá do além-mar! Foi um carnaval! Momento muito belo de força e poesia!

Alexandre Lucas – O que representa a música na sua vida?

Geraldo Junior - Música é minha vida. É o que sei fazer, sem arte minha vida não tem sentido.


Alexandre Lucas - Qual a contribuição social do seu trabalho?

Geraldo Junior - Olha, eu não canto qualquer coisa por cantar, sempre busco ter poesia em meu trabalho e fazer as pessoas se sensibilizarem. Direta ou indiretamente minha música questiona a realidade. É minha forma de contribuir com a sociedade. Cada apresentação pra mim é um ritual. Não é simplesmente uma situação de subir ao palco, é mais de cantar e dançar louvando a vida. Estar em conexão com todos. Como um folguedo, dar as mãos e brincar, se conectar com o encantado. Se deixar de estar ligado no presente, na realidade...

Alexandre Lucas – Quais os seus próximos trabalhos?

Geraldo Junior - Hahaha tenho que me organizar, tenho embrionado um trabalho cênico solo, e ainda pretendo gravar um DVD, Um Disco de poesias, um outro só com musicas da cultura popular tradicional pra todas as idades, mas principalmente, pensando no público infantil, e outro disco só cantando compositores da região com nomes que já citei acima!

Fora isso to sempre compondo! Eu sonho muito! Viajo sempre! hihihi

Não sei se terei tempo pra tudo isso! Mas vamos em frente!

Por fim, posso dizer que estou vivendo um momento feliz, e sou orgulhoso em poder levar o nome e a cultura da minha terra, do meu povo, pra o mundo conhecer!


Site:
http://www.geraldojunior.com.br/

domingo, 17 de julho de 2011

João Nicodemos - A fusão do tradicional e o contemporâneo



É típico das artistas na contemporaneidade mesclarem seus trabalhos entre o novo e o antigo, entre o tido como popular e o erudito e com João Nicodemos não é diferente. Poeta, músico, blogueiro, artista visual que fervilha arte nas mais diversas linguagens.

Alexandre Lucas - Quem é João Nicodemos?


João Nicodemos - Um ser humano comum, com necessidades comuns a todo ser humano. Habitação, alimentação, procriação, amor e comunicação com outros seres, humanos ou não.


Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?


João Nicodemos - Quando a expressão artística é movida por uma necessidade inerente ao ser, ela se desenvolve com o próprio desenvolvimento deste ser, desde a mais tenra idade. É a própria razão de existir. Lembro de desenhar letras quando não sabia escrever; de tocar guitarra na tranca de madeira da janela; dançar numa peça infantil da escolinha e dizer o poema do sapo cururu que aprendi aos 7 anos e sei até hoje. Lembro de ver filmes do Chaplin, no colégio Dom Bosco e me encantar... Acho que tudo começou na infância mesmo.


Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?


João Nicodemos - udo o que vi e senti, tudo o que vejo sinto e percebo, me influencia; seja um som, um raio de luz, um aroma, uma palavra, um lapso de memória. Creio que a Poesia seja assim como uma energia que perpassa tudo que há; e pessoas com sensibilidade podem traduzi-la em obras artísticas, nas mais variadas linguagens. Assim, nas pinturas rupestres, na pintura de Leonardo, Picasso, Renoir, Portinari; na música de Vivaldi, Bach, Vila lobos, Irmãos Aniceto e Luis Gonzaga; Em Camões, Shakespeare, Machado de Assis, nos Cordéis; no Rock, no Blues, Jazz, Samba, Chorinho, em tudo isso vejo a presença da Poesia, e em meu trabalho busco sempre a Poesia. Mas, sem aprofundar o assunto... Quero dizer que busco me influenciar pela Beleza e pela Verdade o que já me dá trabalho suficiente...


Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória?



João Nicodemos - Em termos históricos, sou nascido em 1960, então vivi sob uma ditadura militar toda a infância e adolescência (e isso é marcante); ouvi “Beatles”,” Renato e seus Blue Caps”, música sertaneja (quando era feita no sertão e não era um produto da indústria cultural), tive a sorte de não ir à guerra do Vietnam (nunca entendi porque tem este nome se foi o tio San quem invadiu e fez a guerra) mas quase fui expulso da escola pela ditadura por defender idéias de liberdade – aos 11 anos... Vi o Tri-campeonato brasileiro com a melhor seleção que o Brasil já teve sob o jugo do pior governo que tivemos (Médici era o ditador de plantão). Vi, ainda menino, o início da tropicália, a poesia de Chico Buarque, o surgimento de Raul Seixas (que me impressionou de pronto) as pinturas de Portinari, Leonardo da Vinci (foi o meu herói de infância), vi surgir a “matéria plástica” mesmo assim continuei fabricando meus carrinhos de madeira e espadas e flechas de bambu; estudei em escola pública e particular (como bolsista) no tempo em que Educação não era um “negócio”. Li e aprendi sobre a história da Arte, história da Música, competições de atletismo (realizei alguns torneios de atletismo na infância); comecei a tocar batucando nas panelas, nas mesas de casa, influenciado pelo rádio e pela bela voz de minha mãe que cantava o dia inteiro. Sou autodidata por natureza, o que não sei eu invento, mas reconheço o valor de todas as pessoas com quem pude aprender, e são incontáveis... Toco alguns instrumentos e quero ainda tocar outros... Considero os instrumentos, como o nome diz instrumentos para captar e traduzir a música que já existe no universo...


Alexandre Lucas – Como a música surgiu na sua vida?


João Nicodemos - Minha mãe cantava o dia inteiro e foi locutora de rádio, meu pai foi seresteiro e tinha uma bela voz de tenor... Ouvi muito rádio, eu também vivia cantando... tudo que ouvia eu cantava... Imagine um menino cantando em cima de uma mangueira... Era assim... Depois comecei a trabalhar e comprei uma “Clarina” que era um instrumento de brinquedo com uma escala maior de dó. Então “tirava” de ouvido ou memória auditiva todas as melodias que conhecia (mas nem tudo é possível numa oitava da escala maior...). Assim, consegui um violão, depois um cavaquinho, e nunca mais parei... tantos outros instrumentos me chegaram às mãos e sempre aprendi me expressar com eles... Minha maior “surra” musical, levei de um “pé-de-bode” (oito baixos)... passei um tempão com ele no colo e não consegui entender o mecanismo... desiti por enquanto...(rs). Mas gosto muito de tocar chorinho no saxofone e no cavaquinho, modas antigas de viola (10 cordas) e me encanto com o timbre melancólico da rabeca (fiz uma recentemente). Creio que se o mundo se acabar, vai me pegar de surpresa tocando um instrumento, tranquilamente, sem nenhuma preocupação apocalíptica... (rs)



Alexandre Lucas - Como você vê a relação entre arte e política?


João Nicodemos - O que une estes dois universos é o ser humano que é quem os constrói. A Arte é uma ferramenta de desenvolvimento individual e coletivo que tirou o homem de dentro das cavernas... A política pode ser uma ferramenta de desenvolvimento coletivo. Creio que a Arte possa melhorar o ser humano com mais eficiência que a Política... As grandes revoluções da humanidade foram feitas pela Arte... Veja, por exemplo, o efeito que a Valsa teve sobre os costumes no século XIX, ou o Rock nos anos 50 do sec. XX. Foram mudanças que alteraram o destino da humanidade... Reconheço o valor dos ideais político-revolucionários e, se eu tivesse nascido dez anos antes, certamente teria pego em armas contra a ditadura. Mas acho que foi melhor assim... Hoje, creio que a grande revolução, é uma questão interior e mais metafísica que materialista... estou fazendo a minha revolução há longos anos... e quer saber? Eu venci o Capitalismo! Mas isso é tema pra um livro que pretendo escrever...


Alexandre Lucas - Você faz poesia visual?


João Nicodemos - Faço poemas que buscam à Poesia e me utilizo de todas as ferramentas de que disponho. O que hoje se denomina “poesia visual” é uma conquista dos concretistas, herdeiros de Maiakóvski. Utilizavam o espaço branco do papel e desenhavam as letras e as palavras, buscando transcender o limite da palavra escrita. Gosto disso e utilizo em meus poemas... mas também faço sonetos clássicos, sonetilhos, setilhas e cordel. Penso, com Drumonnd, que o verso livre não é mais fácil que as formas clássicas... pelo contrário; é mais difícil ser trapezista sem redes de proteção (me valho de Mário Quintana, para tanto).

Alexandre Lucas – Quando começou a fazer esse tipo de poesia?


João Nicodemos - Sempre gostei da concisão. Ocupar pouco espaço, fazer silêncio... Quem me autorizou a escrever pouco, expressando o máximo possível, foi o Mário Quintana, que conheci pessoalmente e me disse: “Bebemos na mesma fonte!” Quase caí da cadeira, mas entendi poeticamente. Tenho o Mário Quintana como um dos maiores poetas brasileiros... Hoje as pessoas têm muita pressa e em geral, não conseguem sustentar um raciocínio por mais de 30 segundos... É preciso ser rápido, pegar o leitor desprevenido... testar e instigar a inteligência. Gosto de trabalhar assim com a Poesia... (isso nem sempre me ajuda a fazer amigos, mas consigo identificar minha tribo).


Alexandre Lucas - No seu trabalho você costuma utilizar várias linguagens para intervir esteticamente e artisticamente?


João Nicodemos - Sim, uso todas as ferramentas de que disponho e consigo manejar...


Alexandre Lucas – Você é um artista ligado as inovações tecnológicas?


João Nicodemos - Levei muitos anos para aceitar o computador como instrumento de trabalho. Dizia que “é uma tecnologia muito atrasada e ainda precisa de dedos...”. Mas depois que comecei, me dediquei a aprender com grande afinco e hoje eu faço edição de imagens, de vídeos, de som, gravo, faço masterização, crio imagens e poemas... enfim, perdi totalmente o preconceito. Sei que muitas ferramentas que o homem fabrica podem ser bem usadas e com objetivos nobres... Então, procuro fazer minha parte de beija flor, neste grande incêndio da contemporaneidade. Desde a xilogravura chinesa, que possibilitou o tipo móvel de Gutenberg e a grande revolução dos livros na idade média, até o microchip e a tecnologia atual, o homem parece ser o mesmo... Pode ser que a tecnologia não melhore essencialmente o homem... Mas o sentimento poético, a Beleza e a Verdade não dependem da tecnologia.


Alexandre Lucas – você é uma artista blogueiro. Fale sobre isso.


João Nicodemos - Tenho um blog o www.poemasdonicodemos.blogspot.com e o http://artedenicodemos.blogspot.com/ onde faço postagens dos meus poemas, trabalhos em artes visuais e exposições virtuais; criei outro em homenagem ao José Normando, grande artista e meu irmão nas artes e nas idéias... (http://aartedejosenormando.blogspot.com/) além de contribuir em blogs de amigos. Acho muito interessante esta forma de comunicação e divulgação dos nossos trabalhos. No início tive um certo receio quanto a questão dos direitos autorais, mas isso passou.


Alexandre Lucas - Qual a contribuição social do seu trabalho?


João Nicodemos - Esta é uma boa pergunta que já me fiz algumas vezes... Na condição de filósofo amador, sou mais amigo das perguntas que das respostas. Então não cheguei a uma resposta definitiva. Gostaria que meu trabalho tivesse uma grande importância social e, na juventude, chegamos a sonhar que mudaríamos o mundo com nossos versos, mas o mundo continua aí mudando sozinho... Depende do que entendemos como “social”, se for a torcida do flamengo, meu trabalho não tem importância nenhuma, se for a grande parcela mundial de excluídos dos poderes do consumo, acho que também não tem importância nenhuma. Mas se dentre as pessoas que têm acesso ao meu trabalho (e nem são tantas assim) algumas se identificam, se emocionam, se reconhecem e sentem algum conforto, ou desenvolvem um bom pensamento, uma boa influência, então está justificado o trabalho e, por sequência, minha vida... Já escrevi alguns livros, tenho um filho e plantei uma boa quantidade de árvores. Isso, há um tempo, era suficiente para se justificar a vida de um homem. Hoje isso mudou muito! Parece que basta ter um grande poder de consumo!
Mesmo assim, espero que meu trabalho possa transformar alguém, além de mim...


Alexandre Lucas – Quais os seus próximos trabalhos?


João Nicodesmo - Não tenho planos específicos, apenas continuar trabalhando, aprendendo e ensinando o que puder, compartilhando alegria e conhecimento por meio da Arte que é minha ferramenta de transcendência. Quero produzir uns vídeos (estou gostando desta linguagem), publicar meus poemas. Temos o lançamento de dois livros nos próximos meses. (Coletivo de autores PROSA E VERSO, NO AZUL SONHADO; e SEGREDOS DA NATUREZA, com a grande cordelista Josenir Lacerda). Participei do CD com músicas infantis do livro que José Flávio, tenho uma exposição virtual de desenhos que está perto de 3 mil visitas; uns poemas expostos em São Paulo num evento do SESC; o lançamento de um texto para Rádio teatro “AMAR É DESARMAR” – disponível em www.teatromaracaju.blogspot.com/ , um e-book de poemas que será lançado pelo portal CRONOPIOS enfim não tenho feito planos, apenas vou fazendo o que posso.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Adriano Brito – Uma viagem artística

Derivado da serra do Cariri, Adriano mergulha na relação campo e cidade para imergir na inquietação artística e estética. Um artista que busca nas suas viagens reflexivas uma arte para “embelezar a cidade, entretenimento e fazer o povo pensar”.

Alexandre Lucas - Quem é Adriano Brito?

Adriano Brito - Cratense que viveu 15 anos na roça ajudando ao pai, pescando e caçando passarinho, e mais tarde urbano formado em Letras, casado e com três filhas.

Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?

Adriano Brito - Sempre fui envolvido com artesanato, escultura em casca de cajá, fazia colares com argila e outras coisas também, mais tarde quando comecei na faculdade tive a oportunidade de ir aprendendo mais com os livros e comecei a ver exposições, cinema de arte, a ter contato com artistas caririenses e do Brasil através do SESC num estágio que fiz, então acho que desde criança já estava em contato com a arte, sempre viajei nas formas que os tocos, pedras, insetos tinham e isso nos acompanha no processo artístico, hoje Apolo e Dionísio andam de mãos dadas.

Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?

Adriano Brito - Eita, é muita gente e bicho. Mas gosto muito de Patativa, Mestre Noza mais uma infinidade de artistas caririenses, os elementos armoriais na arte, Van Gogh é um mestre, Basquiat, Hélio Oiticica e muitos e muitos outros.

Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória?

Adriano Brito - Se fosse pra começar da barriga de mãe... venho fazendo teatro desde 2008, graffiti stencil e xilogravura desde 2009.

Alexandre Lucas - Como você ver a relação entre arte e política?

Adriano Brito - Qualquer coisa que você faça está ligada a uma política ou de vida particular ou atuação social. Acho que tudo é válido quando é pro bem e acredito que a arte é uma ferramenta que pode mudar vidas e tento passar o que penso e sinto através dela e tenho isto como um ato político, é "minha" mensagem não partidária.

Alexandre Lucas - Você é um artista que busca fugir da mesmice. Você acredita que isso é próprio da arte contemporânea?

Adriano Brito - Não, eu acredito no se arriscar, sair da zona de conforto, experimentar novos materiais, novas linguagens e isto é válido pra mim, porque na verdade, o que importa é ser verdadeiro e feliz no que faz, seja pintando natureza morta ou fazendo intervenção urbana.

Alexandre Lucas - Como ocorre os estudos para seus trabalhos de arte?

Adriano Brito - Vendo trabalhos de amigos e de outros, na internet, nos livros, nas pessoas e objetos que observo por onde passo e no exercício prático contínuo.

Alexandre Lucas - Além das artes visuais, você começou a fazer um trabalho no campo do teatro. Fale deste trabalho.

Adriano Brito - “Poizé” , faço parte de um grupo chamado Armadilhas Cênicas, no qual buscamos um processo de montagem a partir de textos literários, mesclar outras linguagens visuais no trabalho, enfim, experimentar sempre.

Alexandre Lucas - Como você ver a produção de artes visuais no Cariri?

Adriano Brito - Temos artistas maravilhosos de longa jornada e vários novos artistas, assim como eu, as coisas melhoraram com a implantação da escola de artes, com o Centro Cultural Banco do Nordeste, o SESC, mas acima de tudo vejo os artistas criando seus espaços, já temos uma cena de arte urbana, de cinema, mais grupos de teatro e sinto que está começando a criar uma consciência de mercado de arte na região. Precisamos de uma politíca pública mais envolvida com as artes, talvez se freqüentassem mais os espaços de arte e menos restaurantes e shoppings, criariam gosto pela coisa.

Alexandre Lucas - Qual a contribuição social do seu trabalho?

Adriano Brito - Embelezar a cidade, entretenimento e fazer o povo pensar.

Alexandre Lucas - Você acredita que as artes ainda é elitizada?

Adriano Brito - Não, até mesmo porque todo menino hoje vai à uma lan house e vê arte na internet e podem até conversar com artistas, o que falta é uma política educacional voltada pra arte, as escolas possibilitarem isso, levar as crianças para as galerias, teatros, fazerem aulas práticas. Hoje é fácil levar um artista para a sala de aula ou levar as crianças à um ateliê, agora isso depende da cultura dos educadores.

Alexandre Lucas - Como torna a arte acessível para o povo?

Adriano Brito - Através de políticas educacionais, começando pela mobilização das escolas em garantir o acesso, professores ousados, instituições com prograções externas e o artista fazer arte na rua.

Alexandre Lucas - Quais os seus próximos trabalhos?

Adriano Brito - Estou no momento muito envolvido com linguagem gráfica e teatro, com projetos nas duas vertentes que levarão um bom tempo de processo.

domingo, 17 de abril de 2011

Tancredo Lobo - “( O comunismo ) contribuiu com a minha existência”


Poeta, cronista, facilitador de Biodança e autor de livros sobre Educação, o professor Tancredo Lobo fala da sua trajetória e da influencias das suas vivências na sua formação humana e política e destaca que o Partido Comunista contribuiu para a sua existência.


Alexandre Lucas – Quem é Tancredo Lobo?

Tancredo Lobo - Eu sou um sonhador. Trabalho na URCA. Sou professor. Também trabalho como facilitador de Biodança, tenho um grupo no campus Itaperi, da UECE. Nasci no Crato, passei parte da infância no sítio Lagoa de Dentro, em Farias Brito. Hoje, moro entre Crato e Fortaleza. Sou um cara batalhador que luta para negar o destino de grandes dificuldades das minhas famílias.

Alexandre Lucas – Quando teve inicio seu trabalho literário?

Tancredo Lobo - O primeiro poema que escrevi foi aos 11 anos, quando cursava a 5ª série, e participei de um festival na escola. Ganhei o primeiro lugar e ganhei um dicionário da Fenama.

Alexandre Lucas – Quais as suas influências?

Tancredo Lobo - A vivência na roça; meus familiares, especialmente minha tia Beatriz; alguns dos meus professores; a participação no movimento social (cultural, estudantil, partido político PCdoB); a cultura popular; a música popular brasileira; a literatura brasileira; mais recentemente, a Educação Biocêntrica. Então, são influências diversas que vão acontecendo ao longo da vida.

Alexandre Lucas – Na década de noventa do século passado foi lançado o livro Em
Obras de sua autoria. Você continua escrevendo contos e poesias?

Tancredo Lobo - Continuo a escrever, porém bem menos porque, pelo menos nos últimos quatro anos estive a preparar uma tese de doutorado. Agora vou juntar uns textos (poemas e crônicas) para publicar, enquanto isso, começo o trabalho de escritura de um romance sobre amor e ódio.

Alexandre Lucas - O que representa a literatura na sua vida? Tancredo Lobo - Pra mim, a literatura é uma importante forma de expressão. Além disso, um campo de diálogo de idéias e ideologias. A literatura não fica isenta aos determinismos econômicos, políticos, sociais, culturais, psicológicos, pessoais e comunitários.

Alexandre Lucas – Como você compreende a relação da literatura e da política?

Tancredo Lobo - Por tudo que falei, essa relação é estreita. A literatura, embora muitos tentem, como qualquer atividade humana, não fica isenta às influências políticas. A literatura é uma sofisticada e sutil forma de fazer política, aqui entendida como forma de conscientização e educação.

Alexandre Lucas – Por muitos você militou ativamente no Partido Comunista do Brasil. Essa militância contribuiu na sua produção literária?

Tancredo Lobo - Contribuiu com a minha existência. Pela vivência no Partido e a convivência com inúmeras pessoas muito importantes para mim, eu pude enxergar com mais nitidez a minha própria trajetória e as forças que se debatem no mundo. É claro que isso está presente em tudo que faço: uma aula, uma palestra, uma tese, um poema.

Alexandre Lucas - Da década de oitenta do até os dias atuais. Você percebe alguma diferença na sua produção literária?

Tancredo Lobo - Sim. Além de maturidade, acho que agregou mais qualidade. Mas, as pessoas é que podem dizer melhor a partir das suas leituras. Na qualidade de produtor, acho caminho para mais qualidade em tudo que faço.

Alexandre Lucas – Você desenvolve um trabalho de Biodança. Fale deste trabalho.

Tancredo Lobo - Biodança é um sistema de desenvolvimento humano. Não é uma psicologia, uma terapia, embora tenha grandes efeitos terapêuticos. Funciona em grupo e se apóia na música, movimento e vivência emocionada. Fiz formação de facilitador de Biodança pela Escola de Biodança do Ceará e facilito um grupo há 03 anos, o qual funciona toda quinta-feira, à noite, no campus Itaperi, da UECE, em Fortaleza. Sou muito comprometido com esse trabalho porque vejo o comprometimento das pessoas do grupo e acompanho o seu desenvolvimento e as mudanças que vão empreendendo nas suas vidas.

Alexandre Lucas – Quais os seus próximos trabalhos?

Tancredo Lobo - Estou escrevendo uma monografia sobre Cultura Biocêntrica, que deverei publicar em livro. Continuo escrevendo meus poemas, que também pretendo reunir em livro. E aquele empreendimento da escrita do romance, este um grande trabalho.

domingo, 27 de março de 2011

Chrystian Marques – Artista do Cariri Contemporâneo

A contemporaneidade criar artistas inquietos e antenados nas mais diversas poéticas. Chrystian Marques é fruto deste tempo. Ele bebe do universal e regional para compreender uma produção visual que esteja ligada a compreensão do Cariri/CE. Chrystian mescla o seu trabalho entre convencional e as novas tecnologias.

Alexandre Lucas - Quem é Chrystian Marques?

Chrystian Marques - Cratense, persistente, roqueiro, jazzista, regueiro, cristão, ousado no que diz respeito à luta e a arte. Amigo do bem, Aprendendo sempre, sonhando sempre e realizando quando posso.

Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?

Chrystian Marques - Teve início o despertar mesmo para a arte em 1980 quando por ocasião de um curso que fiz aqui no Crato no antigo espaço da Biblioteca Municipal e no Museu de Arte Vicente Leite. Já tinha forte influência de meus pais, principalmente de minha mãe que pintava na sua juventude. E já me via pensando que aquilo seria importante pra mim como algo que fosse realmente profissional. Gostava de pensar que queria ser desenhista, artista num todo. O curso que fiz me ajudou a começar aprimorar a visão dos traços e a visão da arte como algo feito pela contemplação e não apenas como algo de cópia que pudesse imitar. Olhar sinhá D´amora, outros artistas daquele museu riquíssimo, me marcou muito. Aquele artista pediu que amassássemos um papel e que começasse a desenhar do jeito que ficou para aprendermos a ver os traços e as sombras que nasciam com a incidência da luz. Dai logo após outro curso fiz minha primeira exposição no SENAC em Crato, numa coletiva.

Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?

Chrystian Marques - Estudo sempre por conta própria e estou sempre a devorar trabalhos e isso significa dizer que temos sempre uma influência, alguém que admiramos, alguém que nos faz sentir fortes emoções ao olhar para um artista como Sinhá D´ámora, Pablo Picasso, Portinari, Chagal, Munch. O expressionismo é uma fonte da qual bebo sempre. Estou ligado as minhas raizes e nesse regionalismo há vários artistas como cearenses importantíssimos como Sérvulo Esmeraldo, Karimai. Cristafari, Coldplay, Chapada do Araripe, Rock, Gilberto Gil, Reggae , amor, revista em quadrinho. Ter uma influência artística não significa dizer que imite tal trabalho, ou movimento. Procuro fazer arte com minha própria visão que venho aperfeiçoando.

Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória?

Chrystian Marques - Vai sendo a cada dia no caminho que planejamos, mas que seguidos por uma transpiração com uma pouca inspiração vou trabalhando. Produzindo sempre.
Vou fazendo arte do meu jeito. Vou fazendo uma trajetória de realização pessoal. Fiz a partir de 1980 exposições, cursos, workshops e não paro por ai. Em 2007 participei de uma coletiva no Centro Cultural dos Correios, Rio de janeiro e em 2008 fui selecionado pelo Centro Cultural BNB com desenhos meus. Participei de 4 edições da Mostra Cariri das Artes. Fui nessa onda apesar dos percalços. Artistas que criavam realmente eram poucos, estavam talvez cansados de exporem seus trabalhos pois preferiam vender a amigos, doar, etc. Acredito que uma turma da qual fazia parte como eu, Augusto Bezerra, Junior Erre, Edelson Diniz, Alexandre, outros se movimentavam na Mostra Sesc , em ateliês, expondo nossos trabalhos mesmo contra a maré da desvalorização. Fiz minha escolha de colocar meus trabalhos não nas praças ou outros lugares a não ser naqueles que o artista é realmente respeitado, como espaços interessantes. Um artista deseja não apenas passar emoções, idéias, mas ganhar dinheiro como uma profissão como qualquer outra. E por isso minha trajetória é essa que vai sendo feita por esse caminho.

Alexandre Lucas – Como você caracteriza seu trabalho ?

Chrystian Marques - Tento, investigo o meu tempo, falar do meu tempo, procuro ser puramente regionalista mesmo que fale do universal.

Alexandre Lucas – Qual a importância do seu trabalho artístico?

Chrystian Marques - A arte feita com uma consciência de discutir, provocar, trazer à superfície da vida elementos do bem, com intuito de falar, trazer o melhor para o homem é um dos motivos pelo qual me baseio. Pra mim isso é importante.

Alexandre Lucas – Como você observa a produção de artes visuais no Cariri?


Chrystian Marques -
Super abundante. Muitos artistas que conheço como Guto Bitu, Junior Erre, outros, estão sempre produzindo. A qualidade de artistas que o Cariri tem é impressionante. O bom disso tudo é que vejo artistas com olhar no cariri, ou seja, ninguém precisa ser bombardeado de culturas de outros territórios sendo moldado conforme essas culturas. Há uma excessiva perda de identidade clara, mas no caso dos artistas vejo regionalismo artístico em seus trabalhos porque estamos falando do que deveríamos discursar mesmo que tenhamos visão universal. Isso se transforma se mistura sem se tornar uma coisa homogenia.

Alexandre Lucas – Como surgiu a idéia de criar o blog de Artes visuais no Cariri?

Chrystian Marques - Surgiu da necessidade de viver, discutir, divulgar, provocar, trazer a discussão e a valorização das artes plásticas no cariri por meio da internet. Assim estamos mais ligados com a arte que acontece nas metrópoles e a que acontece no interior. Seguindo a onda muito forte de criação de blogs de todo os tipos aqui no Cariri, também fui incentivado a isso. O Blog há três anos está online, uns 15 mil acessos já foram registrados. Já foi visto por grandes jornalistas como grandes artistas no sudeste. Assim também é uma forma virtual também de exposição dos nossos trabalhos como uma exposição física. Procuro agregar sempre os artistas nesse blog para juntos levarmos nossa arte pro mundo. Gostaria que muitos participassem dele como comentaristas, publicassem suas idéias, seus trabalhos. Vai ai o link. www.artesvisuaiscariri.blogspot.com.

Alexandre Lucas - Como você ver a relação entre arte e política?

Chrystian Marques - Arte é uma manifestação que tem sua liberdade própria, não precisa de paradigmas, ela é arte. mas precisamos da política para que a estrutura das organizações possam encaminhar bem projetos, instituições, museus, estado, quando se fala em política honesta e democrática. A arte e a política sempre estão unidas.
Alexandre Lucas – Quais os seus próximos trabalhos?

Chrystian Marques - Estou trabalhando numa série que justamente fala sobre o cariri, um cariri contemporâneo.

www.artmajeur.com/chrystianmarques

domingo, 20 de março de 2011

Fatinha Gomes - Cantora, Comunista e Educadora

Descente dos nativos desta terra, Maria de Fátima Gomes dos Santos, docemente chamada de Fatinha Gomes aprendeu desde cedo como muitas marias nesta vida a perceber o quanto é injusto o capitalismo. Cantora, comunista, educadora, poeta e feminista. Fatinha encontrou na arte uma forma de humanizar e de lutar. (foto: Allan Bastos)

Alexandre Lucas - Quem é Fatinha Gomes?

Fatinha Gomes - Sou Maria de Fátima, brasileira, tenho 30 anos, filha natural da Cidade do Crato, descendente indígena e espanhola. Militante política, cantora, estudante do Curso de Pedagogia da URCA e observadora de todas as linguagens artísticas que vivencio.

Pertenço a uma família que tem como matriarca uma linda sertaneja: Dona Inês.

Curto muito os movimentos sociais, adoro o espaço verde do Cariri, acredito convictamente numa força criadora que rege o universo, sou muito curiosa por assuntos transcendentais ligados a manifestações religiosas afro-descendente, orientais, e pesquisas voltadas para materialismo-histórico-dialético. Rsrsrs!!!

Tenho uma preocupação voltada para a infância, apoio instituições que trilham planos de ação que favoreçam a educação voltada para crianças e jovens, e que tenha como principio a liberdade e a emancipação do ser humano na sua mais plena realização.

Sou louca por povão, por muita gente (...). Identifico-me com pessoas de comunidades periféricas da minha região, aprecio o que é simples. Posso passar horas conversando sobre vários assuntos, fico muito feliz ao poder me comunicar.

Aprecio os conflitos saudáveis do dia-a-dia, aqueles que nos desmascaram, nos fazem mostrar quem realmente somos.

No mais eu vivo intensamente no campo subjetivo das emoções,sou demasiadamente viva,vivo plenamente e admiro a humanidade por sua diversidade cultural,étnica,geográfica,social,tudo enfim.
Sou perdidamente apaixonada por gente, alucinada por história de vida, por trajetórias pessoais dos amigos que me rodeiam.

Sou muito complexa, intensa, tensa, viva e densa!

Alexandre Lucas -
Quando teve inicio seus trabalhos artísticos?

Fatinha Gomes - Muito cedo. Eu tive uma infância muito difícil, ainda criança eu já gostava de cantar, interpretar e dançar, tudo isso para fugir um pouco da realidade em que vivia. Minha casa e a escola onde eu estudava eram os espaços onde manifestava as primeiras inclinações artísticas. Tive meu primeiro curso de dança na SCAC- Sociedade de Cultura Artística do Crato, com a professora Tia Edmar.Foi quando comecei a minha militância com artistas na UEC - União dos Estudantes do Crato onde pude me auto-afirmar através da música,da pintura,da poesia.Nesses primeiros passos pude contar com artistas como Cleivan Paiva,onde vivenciei minhas primeiras aulas de violão e foi com ele também que conheci o CHAMA.Paulinho Lacerda foi meu grande companheiro e incentivador na música.

Alexandre Lucas - Você vem da periferia, isso tem proporcionado um olhar diferente sobre arte?

Fatinha Gomes - Ainda sou de lá, faço parte de tudo o que diz respeito ao meu povo e minhas raízes. Vejo-me em cada um e em cada criança.

O meu olhar se subverteu muito, a arte é o nosso grande estandarte, creio que ela é um importante instrumento de emancipação para todos independente da nossa posição social. A arte pode promover empoderamento intelectual, a arte movimenta nossas possibilidades de sobrevivência e convivência humana. Costumo dizer que não era fácil no meu tempo, mas hoje, com os editais de políticas públicas voltados para arte e para a cultura algumas demandas foram viabilizadas e muitos podem ter na arte um instrumento muito educativo, um intermediador de luta e identidade de um povo.

A periferia é um espaço notável de talento, produção e inspiração artística.

Alexandre Lucas - Quais as suas influências artísticas?

Fatinha Gomes - Muitas. Em se tratando de música eu pude vivenciar do brega, passando pelo baião, jazz...

Hoje posso me deliciar do som da nossa cidade, e em se tratando disso tenho muita admiração pelos grupos populares, o som que vem dos pífanos, dos zabumbas, me remete a ancestralidade, bem como o som dos atabaques e timbres vocais. Tenho respeito por todos os grupos do Cariri, minha maior influência é a resistência de todos eles.

Artistas como você, Ibertson Nobre,João do Crato,Abidoral Jamacaru,Geraldo Júnior,Dihelson Mendonça,André Saraiva,Herdeiros do Rei,Paulinho Lacerda,Luiz Carlos Salatiel,Cleivan Paiva,Zabumbeiros Cariri,Ermano Morais ,Samuel Macedo ,Lifanco,Dr Raiz,Cantigar,Janinha Brito,Di Freitas,os diretores de teatro,os mestres da cultura,os grupos de tradição,os cantores de barzinhos,os artistas visuais como Karimai, Chrystian Marques,Ricardo Campos,Nivia Uchoa,Alan Bastos,os cineastas Franklin Lacerda,Rosemberg Cariri,Rayane,Alanny Brito,Samuel Gomes,Netinho,Diego,são minhas grandes influências e a vocês todo o meu respeito,foram vocês entre tantos outros artistas que me fizeram acreditar que a arte pode permanecer viva em qualquer lugar e pode também ser vivida por qualquer pessoa,desmistificando aqui a ideologia do dom e meu olhar.

Alexandre Lucas - Como você ver o cenário musical do Cariri?

Fatinha Gomes - Crescente, latente, fervoroso, tenho paixão por tudo isso, paixão doida, diga-se de passagem.

Vejo nosso cenário musical como um amplo portal, nosso grande ponto de partida para grandes conquistas. Sou uma sonhadora, vira e meche, eu ainda me vejo numa atmosfera encantadora de tudo isso aqui, custa nada sonhar e de vez em quando perder um pouco o peso das dificuldades que enfrentamos em qualquer que seja a profissão que exercemos. Acredito que a união ainda faz muita diferença em qualquer processo de construção histórica a esse grupo que interessa.

Todo dia eu me surpreendo com a quantidade de grupos musicais que surgem na nossa região, fico tão feliz quando vejo adolescentes montando suas bandas,ensaiando,participando de festivais, com suas mais variadas tendências musicais, com suas mensagens, para mim tudo isso merece uma atenção ainda mais especial do poder público. Seria interessante investir em espaços gratuitos para ensaios, criar grupos que facilite a aproximação entre os artistas, cantores e compositores.

Esse misto de artistas mais renomados com os da nova geração é muito atrativo, um vinculo que fortalece e muito nossa edificação histórica musical,o Cariri é tão respeitado e amado por essas características e eu me orgulho muito de ter nascido aqui e eu quero ainda estar viva para ver meu Cariri avançar ainda mais nesse contexto,sou uma grande entusiasta das causas musicais .

Alexandre Lucas - Seu contato com a política tem inicio no movimento estudantil. O que isso
significou?

Fatinha Gomes - Significou muito, pois só a partir daí eu pude entrar em contato com uma juventude estudantil aguerrida, de escola pública, disposta a compreender transformar uma realidade conjunta. Foi aqui também que me senti inserida, me sentia acolhida, esse foi um divisor de águas na minha vida, pois naquele momento era tudo o que eu queria encontrar; uma galera que estivesse a fim de discutir arte, política,educação e cultura numa perspectiva critica.Consegui adquirir percepções menos ingênuas ao iniciar minha leitura de mundo e da realidade através do movimento estudantil.

Tive a oportunidade de alimentar sonhos de entrar para uma universidade, pintar o sete e desenhar o oito. Experimentei no movimento estudantil a maior de concepção de liberdade que alimentava naquela época.Hoje quero dividir minha experiência com a juventude que consigo manter contato.Eu indico.

Não sei exatamente se adquiri um absoluto amadurecimento político, pois sou inacabada, todos os dias aprendo, ensino,reaprendo,construo e desconstruo algumas das minhas convicções, mesmo assim vou trilhando meu caminho sempre.

Alexandre Lucas - Como você ver relação entre arte e política?

Fatinha Gomes - Livremente ligadas, algum momento elas podem se distanciar, mas muito importante quando se trata de exercer uma arte engajada que contenha forma, conteúdo e, sobretudo desígnios de alteração. Nesse caso seria o antagônico da arte pela arte. Arte e política devem estar alinhadas no intuito de promover a livre expressão critica do artista. Nada que prenda ou que oprima mesmo que esteja ligada a o mais poderoso argumento denunciativo, subversivo ou questionador. Arte-politica e liberdade se fazem necessária. Não necessariamente nessa ordem. Exerça.

Alexandre Lucas - Você acredita que artista deve ter um posicionamento político para ter compreensão do seu papel enquanto artista?

Fatinha Gomes - Desde que essa seja uma escolha dele, ninguém pode ser violentado pelas escolhas que faz ou por aquilo que não escolheu. Todos devem ser respeitados por suas opções e partir para um embate dialético. Nesse momento eu defendo uma arte que politize o sujeito, que faça com que ele sinta a força de transformar o meio em que ele atue, que compartilhe estratégias de superação do processo de desumanização causado pelo sistema capitalista.

Alexandre Lucas - Você tem uma preocupação sobre a ocupação do espaço musical pelas mulheres?

Fatinha Gomes - Tenho. Defendo que essa não é uma guerra pelo poder onde um fica submisso ao outro para que as coisas fluam. Homem e mulher têm o mesmo direito de conquista de espaço, mas em se tratando da mulher, eu defendo primordialmente, pois os meninos tiveram sua vez em muitas iniciativas humanas,mas só a pouco tempo é que a nós afloramos esse desejo de atração de espaço,na música como em qualquer outra escolha, esse é um direito que deve ser respeitado,uma etapa histórica que não deve ser queimada e que sucessivamente nos encontremos num ideal de respeito e igualdade de gênero.Que seja breve.

Na música Cariri eu vejo uma chama constantemente acesa nesse sentido. Muitas cantoras como Elisa Moura,Alci Ventura e Janinha Brito,tiveram um papel revolucionário por fazerem parte de uma das primeiras levas de mulheres que começaram sua profissão em barzinhos da cidade do Crato,sem elas seria muito difícil acreditar numa aceitação atual,essas são mulheres que dizem muito por sua capacidade de ultrapassar limites e barreiras impostas durante tanto tempo por uma tradição que agora ruma a tomar um novo formato cultural.Foi observando elas que comecei a me reconhecer e dizer:Eu também quero,eu também posso.

Cantoras como elas,Amélia Coelho,Mestra Margarida,Mestra Zulene,Dona Maria do Horto,Mestra Edite, fazem parte desse grande “domínio feminino”,( só para provocar,rsrsrs), de guerreiras Cariri .Esse espaço é uma grande miscigenação de estilistas,fotográfas,lavadeiras,cordelistas, modelos,desenhistas,prostitutas,estudantes,políticas, rezadeiras,cineastas e artistas visuais denunciam uma gama de anseios e atenções.

Alexandre Lucas - Depois de muitos anos você tira as suas poesias do baú?

Fatinha Gomes - Pois é. Que baú? Rsrsrsrs! Há pouco mais de um ano que eu tenho vivido muitos momentos poéticos na minha vida, tudo acaba se transformando num implexo de palavras, algo que externalizo para verbalizar as minhas observações. O Cariri é meu grande palco, é aqui que eu vivencio essas experiências. Retiro do meu dia-a-dia, da conivência social todas as coisas que escrevo. Sempre tive esse desejo, mas só agora eu me permito escrevê-las e publicá-las .

Alexandre Lucas - Como você caracteriza sua poesia?

Fatinha Gomes - Híbrida,racional, politizada e romântica imperfeita.

Alexandre Lucas - O que representa o Coletivo Camaradas na sua experiência estética e
artística?

Fatinha Gomes - Representa o plano material das ações, retirar do plano mental um discurso e partir para o campo de batalha.Foi no Coletivo onde reencontrei o desejo de pôr em prática e viver muito do que eu acreditava e desejava que fosse uma arte exercida no campo conceitual.
Ousar iniciativas de trabalhar arte na periferia com o Coletivo Camaradas foi muito interessante, pois foi lá onde tive a oportunidade de trabalhar com crianças e jovens.

O Coletivo Camaradas é minha grande “ escola” artística e que me amplia os horizontes para realizações futuras.

O Coletivo Camaradas é a minha casa.

terça-feira, 8 de março de 2011

Ulisses Germano - O homem traquino das múltiplas artes


A traquinagem não é coisa só para menino. Ulisses Germano é um desses exemplos, artista comprometido com o seu tempo navega pela música, poesia, artes visuais e pelas suas constantes invenções. Bebe da teoria e da sabedoria do nosso povo para construir no palco da vida uma arte humanizadora. “A pratica é a mãe ou o carrasco de toda e qualquer teoria” como afirma o artista traquino, Ulisses Germano.

Alexandre Lucas - Quem é Ulisses Germano?

Ulisses Germano - Um ser em construção, impermanente.

Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?

Ulisses Germano - Comecei ainda menino por pura necessidade, e como a necessidade é a mãe da invenção, fiz e faço desta vida um meio de expressar aquilo que sinto e vejo.

Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?

Ulisses Germano - Em relação à música, minha primeira influência veio mesmo da família. Meu avô, José Facundo, tocava clarineta na antiga Banda de Música de Jucás-CE., e meu tio Álvaro Correia era maestro desta banda de Jucás. Respirava essa atmosfera musical familiar junto com minhas tias Cely Correia e Maria José que, mais tarde, adotaria o nome artístico de Mazé do Bandolim e gravaria um disco ontológico no ano de 1999 chamado Terra dos Bandolins com músicos de ponta como Luizinho Duarte (violão e bateria), Adelson Viana (acordeom), Heriberto Porto (flauta) e Carlos Ferreira (clarineta). Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Dorival Caymmi e os cegos cantadores fizeram parte da trilha sonora de minha infância, depois vieram os sambistas Noel Rosa, Wilson Batista, Pixinguinha, etc., enfim, de Miles Davis a Pink Floyd, Beatles a Cego Aderaldo, de Egberto Gismonti a Mestre Aldenir, da Banda de Pífano de Caruaru ao e dos Irmãos Anicetos. Compartilho da idéia de que só existem, esteticamente, dois tipos de música: a BOA e a RUIM. É como gravidez, não tem meio termo. Mas de tudo que eu já escutei na vida nenhum músico me sensibilizou mais do que o genial Hermeto Pascoal. Hermeto, para mim, é o representante musical de nosso Planeta.

Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória?

Ulisses Germano - Comecei em Fortaleza tocando saxofone e flauta numa banda chamada Material, depois fiz parte da Tracajá Blues Band. Na década de oitenta comecei a tocar numa banda de Rock Progressivo chamada Trem do Futuro. Gravamos dois CDs. Está banda hoje faz parte do catálogo internacional da MUSEA – França. Paralelo a tudo isso eu ensinava flauta doce para adolescentes de numa escola pública CERE de Antonio Bezerra e formamos o Grupo Doce Flauta que tinha um repertório bem eclético e chegamos a tocar O Canto do Pajé de Villa Lobos com a orquestra Eleazar de Carvalho no Theatro José de Alencar em Fortaleza. Também realizei durante seis anos um trabalho voluntário numa ONG em Fortaleza no Bairro das Seis Bocas chamada REVARTE (Resgate dos Valores pela Arte). Cheguei ao Crato em 2003 para trabalhar como professor de Artes do Colégio Pequeno Príncipe e estou até hoje. Minha primeira apresentação foi no SESC, que é uma instituição cultural que eu tenho enorme gratidão, junto com o Di Freitas e seu violoncelo de papelão; toquei um instrumento que eu criei chamado Ovo de Dinossauro que tinha um timbre parecido com a tabla indiana. Josenir Lacerda foi quem me motivou a fazer cordel e Gomez (Zé de Calu) foi quem me apresentou os compositores e artistas da Região. Com o saudoso Correinha formei o Grupo CRATETO e com Mestre Aldenir (meu pai cultural) aprendi um pouco sobre reisado. Foi na Região do Cariri, morando no Crato, que eu encontrei minha verdadeira identidade cultural. Já ouvi da boca de muita gente viajada dizer que nossa região é a mais rica do país em termos de arte popular. Quem vem por estas plagas fica imantado por uma energia que até hoje eu não sei de onde vem nem de como se processa.
Alexandre Lucas - Como você ver a relação entre arte e política?

Ulisses Germano - Querendo ou não a política e as artes perpassam todas as ações do nosso dia a dia. Bertolt Brecht analisou tudo isto com muita propriedade. De uma forma mais concreta e em relação à música, esta ligação já foi bem mais estreita. Falo de modo particular em relação à música chamada de protesto. Podemos observar essa mudança vasculhando as gravações fonográficas desde os tempos da Odeon até os dias de hoje. Mas o homem deixou de ser um animal político para se transformar num animal absurdo! E arte também acompanha esta absurdez em que a espécie humana foi reduzida, porque Arte é poder. Nietzsche já sinalizava escrevendo sobre o medo que os políticos de uma forma geral têm da poesia e da filosofia. Os grandes compositores brasileiros e os artistas populares de peso, de um modo geral, são formadores de opinião e podem decidir uma eleição. Tiririca é um bom exemplo de como um excelente subproduto da alienação humana pode fazer em termos de avacalhação generalizada. Neste mundo em que o dinheiro compra tudo, a tal da sonhada democracia sofre de uma disenteria crônica e os que se deixam ser vencidos e vendidos por esta engrenagem alienante acabam, como dizia o Barão, sempre recebendo bem mais do realmente valem.
Foto: Evandro
Alexandre Lucas – Você consegue juntar o popular e o contemporâneo no trabalho que você desenvolve?

Ulisses Germano - Creio que sim. Quando eu fiz a escultura intitulada A INDIFERENÇA, premiada com medalha de ouro no VI Salão de Outubro no Crato, minha intenção era modelar uma peça capaz de expressar de forma clara e significativa esse sentimento tenebroso chamado indiferença. Então eu modelei um rosto com um olho vazado e outro sem ser vazado, mas olhando para baixo. O resultado é que o espectador jamais conseguia olhar diretamente no olho da peça, pois o que caracteriza a indiferença é o olhar que não olha ou pelo menos finge não olhar. Essa expectativa do espectador de tentar em vão achar o olhar da indiferença resultou num cordel que eu escrevi em parceria com poetisa Josenir Lacerda chamado A POÉTICA DA INDIFERENÇA. A peça em argila contempla o
contemporâneo em sua forma distorcida e o cordel é em si popular... Confesso que passo mal ouvindo esses discursos prolixos sobre Arte. Sei que a teoria é importante, mas sempre fico cabreiro em relações a rótulos. Procuro não rotular nada do que vejo ou do que faço. Se definir é matar, rotular é matar duas vezes.


Alexandre Lucas - A sala de aula é um laboratório de arte?

Ulisses Germano - Certamente. A ação de ensinar traz como conseqüência a ação de aprender, e é nesse jogo de reciprocidade, de vice-versa que a Arte em sala de aula se processa. Diria que não só na sala de aula. Um professor criativo sabe que os laboratórios não só de Arte, mas de Química, Matemática, etc., estão espalhados pelo mundo! A cozinha é pura alquimia, em todo canto existe geometria!


Alexandre Lucas – Ainda tem gente que acredita que a arte é dom?


Ulisses Germano - Tem gente pra tudo. Tem gente até que acredita que o homem não foi pra lua! –“Ora – dizem – se o homem tivesse ido pra lua tinha falado com São Jorge!” RS Deixando o gracejo, esse assunto é polêmico e requer uma análise mais aprofundada. Quando Mozart ainda criança revelou de forma surpreendente suas habilidades musicais para reis e princesas de Veneza, todos, obviamente, falavam de um prodígio, de uma coisa sobrenatural, de um “dom”. Lógico que ele nasceu com uma forte aptidão, o que ninguém viu foi a metodologia empregada pelo velho Leopold Mozart (seu pai) para aperfeiçoar o gênio do filho! As chamadas “Crianças Índigo” que estão brotando em diversas partes do mundo têm abalado a idéia dos que rejeitam a possibilidade de alguém nascer com um dom. Eu realmente fico bestificado com as pictografias, os desenhos mediúnicos feitos pelo mundo afora. Mas como professor de Artes acredito que todos nós temos habilidades para fazer arte. Definitivamente, Arte não é um dom, ou pelo menos não deveria ser encarado dessa forma em termos pedagógicos. Arte é uma energia que passeia pelo ar e que qualquer receptor mental vivo pode captar.


Alexandre Lucas – Esse crença acaba afastando as pessoas das artes?

Ulisses Germano - Lógico! Se a Arte é um dom, então não haveria necessidade do ensino das artes na Escola! Eu tenho um aluno no 8° ano que é um excelente desenhista, mas sempre traz na mochila um caderno cheio de desenhos. Quer dizer, ele pratica o tempo todo, através de erros e acertos ele foi aperfeiçoando suas habilidades. O conceito de arte hoje em dia é bem mais abrangente e está intimamente ligado ao projeto político-educacional mais revolucionário do mundo que é de EDUCAR OS CORAÇÕES! A arte ensina a Educar os Corações, lapidando os sentimentos... Por isso que o ensino das Artes do Brasil foi sempre colocado em segundo plano. Prá quê ensinar arte se o que interessa é o vestibular. O que não “cai” no vestibular não cabe na lei do mercado. Recuso-me a chamar os aprendentes de “clientela”.


Alexandre Lucas - Qual a contribuição social do seu trabalho?


Ulisses Germano - Creio que o que mais se aproxima dessa pergunta tenha sido o lançamento do cordel DO SELO LAMBIDO AO PONTO COM em parceria com o professor Zé Mauro. Foi o primeiro cordel publicado em Braille pelo Instituto Benjamim Constant. Fez parte de um projeto de Belo Horizonte –MG – Livro de Graça na Praça onde aproximadamente 40 mil livros foram distribuídos de graça. Meu mais recente cordel As Proezas do Peixe Pedra, em parceria com a URCA/Geopark, será lançado e distribuído nas Escolas Públicas.

Alexandre Lucas – Quais os seus próximos trabalhos?

Ulisses Germano - Gravar um CD com minhas composições fatigadas.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Maria Gabriela Federico – Artista, restauradora e visionária


Gabriela é uma viajante, uma cidadã do mundo, com uma sensibilidade e inquietação aflorada que descobriu há alguns anos a cidade do Crato - CE (localizada no espiritual Estado do Cariri) e um dos seus empreendimentos foi o Olhar Casa das Artes, uma espécie de casa de convivência entre público e artistas. Essa peregrina da arte é uma das principais restauradoras de peças artísticas da cidade do Crato.


Alexandre Lucas - Quem é Maria Gabriella Federico?

Maria Gabriela Federico - Sou profissional da área de restauração e gosto muito da profissão que escolhi; por isso me dedico ao trabalho com fervor e emoção. Gosto da diversidade, a humanidade me fascina. Sou uma observadora atenta a tudo e a todos, principalmente no que diz respeito à cultura e as artes. No campo das artes, gosto da pintura, da escultura, da música, do teatro, do cinema, etc. Procuro me rodear do belo no tocante a arte e da amizade no relacionamento com as pessoas. Sou caseira e muito ativa. Não consigo ficar um instante sem fazer algo, sempre procuro me ocupar: seja organizando a casa, cozinhando, restaurando, lendo, ouvindo música, etc. Esse comportamento dinâmico, meu filho, o trabalho e os amigos me dão forças para ter uma vida equilibrada e a medida do possível feliz. Sou também uma colecionadora compulsiva: gosto de sapatos – ás vezes me sinto a Imelda Marques … aquela das Philipinas (risos). Coleciono também livros, esculturas, pinturas, fotografias. Sou uma pessoa alegre e parecida com tantas outras. Como diria Rita Lee: “Uma pessoa comum, um filho de Deus… remando contra a maré” só que acreditando nas pessoas e com muita Fé !!

Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?

Maria Gabriela Federico - Há um bom tempo. Desde minha infância na Itália. O trabalho com Restauração começou na minha adolescência.

Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?

Maria Gabriela Federico - O meu trabalho tem influência do trabalho de meus mestres restauradores da Itália. A arte do Império Romano Antigo, do Renascimento Italiano, do Maneirismo, do Barroco e do Rococó com há qual muito convivi em Roma, também tem reflexo no meu trabalho.

Alexandre Lucas - Como você se tornou restauradora?

Maria Gabriela Federico - Quando terminei meus estudos na Academia de Artes em Roma, ainda não tinha clareza de qual profissão seguir. Minha mãe trabalhava com alta costura e tinha conhecidos no “mundo da moda italiana”, com isso comecei a fotografar na Itália para empresas particulares e para álbuns de modelos. Naquela época eu fotografava com máquinas analógicas, e o custo com películas fotográficas, viagens e estadias, me fez perceber que tinha mais despesas que lucro em essa profissão. A concorrência acirrada, também me afastou da profissão de fotógrafa. Voltei para as artes decorativas. Como já trabalhava com cerâmica, comecei a decorar peças de barro cozido, com pigmentos coloridos para forno. Também fui monitora de artes para doentes mentais em um consultório psiquiátrico e em um abrigo para crianças abandonadas.

Tempos depois conheci uma restauradora renomada em Roma que me convidou para trabalhar em seu atelier. Com quatro meses de trabalho já dirigia restaurações de afrescos em prédios históricos – responsabilidade a mim concedida por minha “Maestra”. Havia muito trabalho e ela confiava na minha aptidão ao trabalho de restauro.

Mais adiante, fiz cursos de aperfeiçoamento em escolas de artes particulares. Fiz cursos de estética e história da arte, técnicas e materiais de restauração, restauração de esculturas, restauração de afrescos, decoração em falsos mármores, aplicação de folhas de ouro e prata em objetos artísticos, técnicas de pintura, etc. Trabalhei em uma dessas escolas como restauradora exclusiva por dois anos. Em seguida abri minha própria firma de restauração em Roma.

Alexandre Lucas - A restauração possibilita para você um contato com a história dos lugares?

Maria Gabriela Federico - Sim, muito! Por exemplo, restaurei aqui no Crato, há alguns anos atrás, a imagem da padroeira da Cidade – Nossa Senhora da Penha. Símbolo maior da comunidade Católica do Crato. O Crato Nasceu de uma Missão Católica vinda de Pernambuco para se fincar num aldeamento indígena na região. Os capuchinhos que aqui chegaram trouxeram a devoção de Nossa Senhora. Portanto quando restauro um símbolo de devoção popular de longa data, entro em contato com a história do lugar.

Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória como restauradora?

Maria Gabriela Federico - Todos nascemos com uma determinada aptidão, às vezes a desenvolvemos, às vezes não. Quando pequena, eu recolhia cacos de cerâmicas quebrados de algumas coisas na cozinha, tinha seis anos e colava as partes diretinho, lembro-me que já entendia que se tivesse uma cor para complementar a pintura, a rachadura seria disfarçada, era uma brincadeira que me dava prazer. Tudo o que fiz me serviu de preparação profissional. Descobri isso, tempos depois, e por acaso.

Trabalhei com restauração (Afrescos) na Italia: Roma, Napolis, Frascati (Interior do Lazio) Milão e Torino. Outros lugares foram Barcelona, Creta e Ginevra, sempre trabalhei intensamente, até mesmo nas férias, pois não consigo ficar parada.

Aqui no Brasil cheguei no ano 1996. Mas de inicio não trabalhei com restauração, porque meu filho era muito pequeno e resolvi me dedicar a ele. Mas, depois de um tempo, abri um espaço comercial em Santa Maria no Rio Grande do Sul que era meu atelier. Os meus clientes eram antiquários e colecionadores de arte. No ano 2000 trabalhei para prefeitura do Rio de Janeiro com restauração de painéis de azulejos portugueses. Depois, fui a São Paulo, na cidade de Pindamonhangaba e finalmente em Vitória, no Espírito Santo onde fiz vários trabalhos na minha área de atuação. Voltei para o Sul e de lá vim para o Nordeste. Primeiro Fortaleza onde trabalhei para o IPHAN e depois me estabeleci aqui no Crato. Vim para o Crato para restaurar a imagem de Nossa Senhora da Penha na Igreja Matriz. Por essa terra me apaixonei e aqui estou até hoje: sempre restaurando e me aperfeiçoando nesta arte.

Alexandre Lucas - Quem mais restaura no Brasil?

Maria Gabriela Federico - Quem mais restaura são os restauradores contratados pelo governo Federal, principalmente a serviço do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Outros que contratam serviços de restauradores são: Antiquários, Museus, Igrejas – principalmente a Igreja Católica, Institutos do Patrimônio Histórico de alguns estados da federação e alguns setores da iniciativa privada.

Alexandre Lucas - Como você ver a relação entre arte e política?

Maria Gabriela Federico - A arte está atrelada as relações humanas. Conseqüentemente é fruto dessas relações. Estas relações podem ser históricas, políticas, sociais, etc. Então, no meu entender, a arte não está desvinculada da política.

Alexandre Lucas - Quais as principais dificuldades técnicas encontradas pelo restaurador?

Maria Gabriela Federico - Algumas, principalmente a falta, aqui na região, de materiais adequados para o restauro. Grande parte do meu material de trabalho tenho que comprar em grandes centros comerciais como São Paulo. Outras dificuldades podem surgir, mas tento sempre contorná-las usando minha criatividade. No meu trabalho tento me espelhar nas regras impostas pelo IPHAN de acordo com normas internacional com a utilização de materiais reversíveis nas restaurações: colas animais, pigmentos naturais de qualidade superior, resinas de fácil remoção.

Alexandre Lucas - Quais seus próximos trabalhos?

Maria Gabriela Federico - Espero contribuir com a preservação do patrimônio artístico do Cariri. Desejo restaurar sempre com qualidade e dedicação.