domingo, 27 de março de 2011

Chrystian Marques – Artista do Cariri Contemporâneo

A contemporaneidade criar artistas inquietos e antenados nas mais diversas poéticas. Chrystian Marques é fruto deste tempo. Ele bebe do universal e regional para compreender uma produção visual que esteja ligada a compreensão do Cariri/CE. Chrystian mescla o seu trabalho entre convencional e as novas tecnologias.

Alexandre Lucas - Quem é Chrystian Marques?

Chrystian Marques - Cratense, persistente, roqueiro, jazzista, regueiro, cristão, ousado no que diz respeito à luta e a arte. Amigo do bem, Aprendendo sempre, sonhando sempre e realizando quando posso.

Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?

Chrystian Marques - Teve início o despertar mesmo para a arte em 1980 quando por ocasião de um curso que fiz aqui no Crato no antigo espaço da Biblioteca Municipal e no Museu de Arte Vicente Leite. Já tinha forte influência de meus pais, principalmente de minha mãe que pintava na sua juventude. E já me via pensando que aquilo seria importante pra mim como algo que fosse realmente profissional. Gostava de pensar que queria ser desenhista, artista num todo. O curso que fiz me ajudou a começar aprimorar a visão dos traços e a visão da arte como algo feito pela contemplação e não apenas como algo de cópia que pudesse imitar. Olhar sinhá D´amora, outros artistas daquele museu riquíssimo, me marcou muito. Aquele artista pediu que amassássemos um papel e que começasse a desenhar do jeito que ficou para aprendermos a ver os traços e as sombras que nasciam com a incidência da luz. Dai logo após outro curso fiz minha primeira exposição no SENAC em Crato, numa coletiva.

Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?

Chrystian Marques - Estudo sempre por conta própria e estou sempre a devorar trabalhos e isso significa dizer que temos sempre uma influência, alguém que admiramos, alguém que nos faz sentir fortes emoções ao olhar para um artista como Sinhá D´ámora, Pablo Picasso, Portinari, Chagal, Munch. O expressionismo é uma fonte da qual bebo sempre. Estou ligado as minhas raizes e nesse regionalismo há vários artistas como cearenses importantíssimos como Sérvulo Esmeraldo, Karimai. Cristafari, Coldplay, Chapada do Araripe, Rock, Gilberto Gil, Reggae , amor, revista em quadrinho. Ter uma influência artística não significa dizer que imite tal trabalho, ou movimento. Procuro fazer arte com minha própria visão que venho aperfeiçoando.

Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória?

Chrystian Marques - Vai sendo a cada dia no caminho que planejamos, mas que seguidos por uma transpiração com uma pouca inspiração vou trabalhando. Produzindo sempre.
Vou fazendo arte do meu jeito. Vou fazendo uma trajetória de realização pessoal. Fiz a partir de 1980 exposições, cursos, workshops e não paro por ai. Em 2007 participei de uma coletiva no Centro Cultural dos Correios, Rio de janeiro e em 2008 fui selecionado pelo Centro Cultural BNB com desenhos meus. Participei de 4 edições da Mostra Cariri das Artes. Fui nessa onda apesar dos percalços. Artistas que criavam realmente eram poucos, estavam talvez cansados de exporem seus trabalhos pois preferiam vender a amigos, doar, etc. Acredito que uma turma da qual fazia parte como eu, Augusto Bezerra, Junior Erre, Edelson Diniz, Alexandre, outros se movimentavam na Mostra Sesc , em ateliês, expondo nossos trabalhos mesmo contra a maré da desvalorização. Fiz minha escolha de colocar meus trabalhos não nas praças ou outros lugares a não ser naqueles que o artista é realmente respeitado, como espaços interessantes. Um artista deseja não apenas passar emoções, idéias, mas ganhar dinheiro como uma profissão como qualquer outra. E por isso minha trajetória é essa que vai sendo feita por esse caminho.

Alexandre Lucas – Como você caracteriza seu trabalho ?

Chrystian Marques - Tento, investigo o meu tempo, falar do meu tempo, procuro ser puramente regionalista mesmo que fale do universal.

Alexandre Lucas – Qual a importância do seu trabalho artístico?

Chrystian Marques - A arte feita com uma consciência de discutir, provocar, trazer à superfície da vida elementos do bem, com intuito de falar, trazer o melhor para o homem é um dos motivos pelo qual me baseio. Pra mim isso é importante.

Alexandre Lucas – Como você observa a produção de artes visuais no Cariri?


Chrystian Marques -
Super abundante. Muitos artistas que conheço como Guto Bitu, Junior Erre, outros, estão sempre produzindo. A qualidade de artistas que o Cariri tem é impressionante. O bom disso tudo é que vejo artistas com olhar no cariri, ou seja, ninguém precisa ser bombardeado de culturas de outros territórios sendo moldado conforme essas culturas. Há uma excessiva perda de identidade clara, mas no caso dos artistas vejo regionalismo artístico em seus trabalhos porque estamos falando do que deveríamos discursar mesmo que tenhamos visão universal. Isso se transforma se mistura sem se tornar uma coisa homogenia.

Alexandre Lucas – Como surgiu a idéia de criar o blog de Artes visuais no Cariri?

Chrystian Marques - Surgiu da necessidade de viver, discutir, divulgar, provocar, trazer a discussão e a valorização das artes plásticas no cariri por meio da internet. Assim estamos mais ligados com a arte que acontece nas metrópoles e a que acontece no interior. Seguindo a onda muito forte de criação de blogs de todo os tipos aqui no Cariri, também fui incentivado a isso. O Blog há três anos está online, uns 15 mil acessos já foram registrados. Já foi visto por grandes jornalistas como grandes artistas no sudeste. Assim também é uma forma virtual também de exposição dos nossos trabalhos como uma exposição física. Procuro agregar sempre os artistas nesse blog para juntos levarmos nossa arte pro mundo. Gostaria que muitos participassem dele como comentaristas, publicassem suas idéias, seus trabalhos. Vai ai o link. www.artesvisuaiscariri.blogspot.com.

Alexandre Lucas - Como você ver a relação entre arte e política?

Chrystian Marques - Arte é uma manifestação que tem sua liberdade própria, não precisa de paradigmas, ela é arte. mas precisamos da política para que a estrutura das organizações possam encaminhar bem projetos, instituições, museus, estado, quando se fala em política honesta e democrática. A arte e a política sempre estão unidas.
Alexandre Lucas – Quais os seus próximos trabalhos?

Chrystian Marques - Estou trabalhando numa série que justamente fala sobre o cariri, um cariri contemporâneo.

www.artmajeur.com/chrystianmarques

domingo, 20 de março de 2011

Fatinha Gomes - Cantora, Comunista e Educadora

Descente dos nativos desta terra, Maria de Fátima Gomes dos Santos, docemente chamada de Fatinha Gomes aprendeu desde cedo como muitas marias nesta vida a perceber o quanto é injusto o capitalismo. Cantora, comunista, educadora, poeta e feminista. Fatinha encontrou na arte uma forma de humanizar e de lutar. (foto: Allan Bastos)

Alexandre Lucas - Quem é Fatinha Gomes?

Fatinha Gomes - Sou Maria de Fátima, brasileira, tenho 30 anos, filha natural da Cidade do Crato, descendente indígena e espanhola. Militante política, cantora, estudante do Curso de Pedagogia da URCA e observadora de todas as linguagens artísticas que vivencio.

Pertenço a uma família que tem como matriarca uma linda sertaneja: Dona Inês.

Curto muito os movimentos sociais, adoro o espaço verde do Cariri, acredito convictamente numa força criadora que rege o universo, sou muito curiosa por assuntos transcendentais ligados a manifestações religiosas afro-descendente, orientais, e pesquisas voltadas para materialismo-histórico-dialético. Rsrsrs!!!

Tenho uma preocupação voltada para a infância, apoio instituições que trilham planos de ação que favoreçam a educação voltada para crianças e jovens, e que tenha como principio a liberdade e a emancipação do ser humano na sua mais plena realização.

Sou louca por povão, por muita gente (...). Identifico-me com pessoas de comunidades periféricas da minha região, aprecio o que é simples. Posso passar horas conversando sobre vários assuntos, fico muito feliz ao poder me comunicar.

Aprecio os conflitos saudáveis do dia-a-dia, aqueles que nos desmascaram, nos fazem mostrar quem realmente somos.

No mais eu vivo intensamente no campo subjetivo das emoções,sou demasiadamente viva,vivo plenamente e admiro a humanidade por sua diversidade cultural,étnica,geográfica,social,tudo enfim.
Sou perdidamente apaixonada por gente, alucinada por história de vida, por trajetórias pessoais dos amigos que me rodeiam.

Sou muito complexa, intensa, tensa, viva e densa!

Alexandre Lucas -
Quando teve inicio seus trabalhos artísticos?

Fatinha Gomes - Muito cedo. Eu tive uma infância muito difícil, ainda criança eu já gostava de cantar, interpretar e dançar, tudo isso para fugir um pouco da realidade em que vivia. Minha casa e a escola onde eu estudava eram os espaços onde manifestava as primeiras inclinações artísticas. Tive meu primeiro curso de dança na SCAC- Sociedade de Cultura Artística do Crato, com a professora Tia Edmar.Foi quando comecei a minha militância com artistas na UEC - União dos Estudantes do Crato onde pude me auto-afirmar através da música,da pintura,da poesia.Nesses primeiros passos pude contar com artistas como Cleivan Paiva,onde vivenciei minhas primeiras aulas de violão e foi com ele também que conheci o CHAMA.Paulinho Lacerda foi meu grande companheiro e incentivador na música.

Alexandre Lucas - Você vem da periferia, isso tem proporcionado um olhar diferente sobre arte?

Fatinha Gomes - Ainda sou de lá, faço parte de tudo o que diz respeito ao meu povo e minhas raízes. Vejo-me em cada um e em cada criança.

O meu olhar se subverteu muito, a arte é o nosso grande estandarte, creio que ela é um importante instrumento de emancipação para todos independente da nossa posição social. A arte pode promover empoderamento intelectual, a arte movimenta nossas possibilidades de sobrevivência e convivência humana. Costumo dizer que não era fácil no meu tempo, mas hoje, com os editais de políticas públicas voltados para arte e para a cultura algumas demandas foram viabilizadas e muitos podem ter na arte um instrumento muito educativo, um intermediador de luta e identidade de um povo.

A periferia é um espaço notável de talento, produção e inspiração artística.

Alexandre Lucas - Quais as suas influências artísticas?

Fatinha Gomes - Muitas. Em se tratando de música eu pude vivenciar do brega, passando pelo baião, jazz...

Hoje posso me deliciar do som da nossa cidade, e em se tratando disso tenho muita admiração pelos grupos populares, o som que vem dos pífanos, dos zabumbas, me remete a ancestralidade, bem como o som dos atabaques e timbres vocais. Tenho respeito por todos os grupos do Cariri, minha maior influência é a resistência de todos eles.

Artistas como você, Ibertson Nobre,João do Crato,Abidoral Jamacaru,Geraldo Júnior,Dihelson Mendonça,André Saraiva,Herdeiros do Rei,Paulinho Lacerda,Luiz Carlos Salatiel,Cleivan Paiva,Zabumbeiros Cariri,Ermano Morais ,Samuel Macedo ,Lifanco,Dr Raiz,Cantigar,Janinha Brito,Di Freitas,os diretores de teatro,os mestres da cultura,os grupos de tradição,os cantores de barzinhos,os artistas visuais como Karimai, Chrystian Marques,Ricardo Campos,Nivia Uchoa,Alan Bastos,os cineastas Franklin Lacerda,Rosemberg Cariri,Rayane,Alanny Brito,Samuel Gomes,Netinho,Diego,são minhas grandes influências e a vocês todo o meu respeito,foram vocês entre tantos outros artistas que me fizeram acreditar que a arte pode permanecer viva em qualquer lugar e pode também ser vivida por qualquer pessoa,desmistificando aqui a ideologia do dom e meu olhar.

Alexandre Lucas - Como você ver o cenário musical do Cariri?

Fatinha Gomes - Crescente, latente, fervoroso, tenho paixão por tudo isso, paixão doida, diga-se de passagem.

Vejo nosso cenário musical como um amplo portal, nosso grande ponto de partida para grandes conquistas. Sou uma sonhadora, vira e meche, eu ainda me vejo numa atmosfera encantadora de tudo isso aqui, custa nada sonhar e de vez em quando perder um pouco o peso das dificuldades que enfrentamos em qualquer que seja a profissão que exercemos. Acredito que a união ainda faz muita diferença em qualquer processo de construção histórica a esse grupo que interessa.

Todo dia eu me surpreendo com a quantidade de grupos musicais que surgem na nossa região, fico tão feliz quando vejo adolescentes montando suas bandas,ensaiando,participando de festivais, com suas mais variadas tendências musicais, com suas mensagens, para mim tudo isso merece uma atenção ainda mais especial do poder público. Seria interessante investir em espaços gratuitos para ensaios, criar grupos que facilite a aproximação entre os artistas, cantores e compositores.

Esse misto de artistas mais renomados com os da nova geração é muito atrativo, um vinculo que fortalece e muito nossa edificação histórica musical,o Cariri é tão respeitado e amado por essas características e eu me orgulho muito de ter nascido aqui e eu quero ainda estar viva para ver meu Cariri avançar ainda mais nesse contexto,sou uma grande entusiasta das causas musicais .

Alexandre Lucas - Seu contato com a política tem inicio no movimento estudantil. O que isso
significou?

Fatinha Gomes - Significou muito, pois só a partir daí eu pude entrar em contato com uma juventude estudantil aguerrida, de escola pública, disposta a compreender transformar uma realidade conjunta. Foi aqui também que me senti inserida, me sentia acolhida, esse foi um divisor de águas na minha vida, pois naquele momento era tudo o que eu queria encontrar; uma galera que estivesse a fim de discutir arte, política,educação e cultura numa perspectiva critica.Consegui adquirir percepções menos ingênuas ao iniciar minha leitura de mundo e da realidade através do movimento estudantil.

Tive a oportunidade de alimentar sonhos de entrar para uma universidade, pintar o sete e desenhar o oito. Experimentei no movimento estudantil a maior de concepção de liberdade que alimentava naquela época.Hoje quero dividir minha experiência com a juventude que consigo manter contato.Eu indico.

Não sei exatamente se adquiri um absoluto amadurecimento político, pois sou inacabada, todos os dias aprendo, ensino,reaprendo,construo e desconstruo algumas das minhas convicções, mesmo assim vou trilhando meu caminho sempre.

Alexandre Lucas - Como você ver relação entre arte e política?

Fatinha Gomes - Livremente ligadas, algum momento elas podem se distanciar, mas muito importante quando se trata de exercer uma arte engajada que contenha forma, conteúdo e, sobretudo desígnios de alteração. Nesse caso seria o antagônico da arte pela arte. Arte e política devem estar alinhadas no intuito de promover a livre expressão critica do artista. Nada que prenda ou que oprima mesmo que esteja ligada a o mais poderoso argumento denunciativo, subversivo ou questionador. Arte-politica e liberdade se fazem necessária. Não necessariamente nessa ordem. Exerça.

Alexandre Lucas - Você acredita que artista deve ter um posicionamento político para ter compreensão do seu papel enquanto artista?

Fatinha Gomes - Desde que essa seja uma escolha dele, ninguém pode ser violentado pelas escolhas que faz ou por aquilo que não escolheu. Todos devem ser respeitados por suas opções e partir para um embate dialético. Nesse momento eu defendo uma arte que politize o sujeito, que faça com que ele sinta a força de transformar o meio em que ele atue, que compartilhe estratégias de superação do processo de desumanização causado pelo sistema capitalista.

Alexandre Lucas - Você tem uma preocupação sobre a ocupação do espaço musical pelas mulheres?

Fatinha Gomes - Tenho. Defendo que essa não é uma guerra pelo poder onde um fica submisso ao outro para que as coisas fluam. Homem e mulher têm o mesmo direito de conquista de espaço, mas em se tratando da mulher, eu defendo primordialmente, pois os meninos tiveram sua vez em muitas iniciativas humanas,mas só a pouco tempo é que a nós afloramos esse desejo de atração de espaço,na música como em qualquer outra escolha, esse é um direito que deve ser respeitado,uma etapa histórica que não deve ser queimada e que sucessivamente nos encontremos num ideal de respeito e igualdade de gênero.Que seja breve.

Na música Cariri eu vejo uma chama constantemente acesa nesse sentido. Muitas cantoras como Elisa Moura,Alci Ventura e Janinha Brito,tiveram um papel revolucionário por fazerem parte de uma das primeiras levas de mulheres que começaram sua profissão em barzinhos da cidade do Crato,sem elas seria muito difícil acreditar numa aceitação atual,essas são mulheres que dizem muito por sua capacidade de ultrapassar limites e barreiras impostas durante tanto tempo por uma tradição que agora ruma a tomar um novo formato cultural.Foi observando elas que comecei a me reconhecer e dizer:Eu também quero,eu também posso.

Cantoras como elas,Amélia Coelho,Mestra Margarida,Mestra Zulene,Dona Maria do Horto,Mestra Edite, fazem parte desse grande “domínio feminino”,( só para provocar,rsrsrs), de guerreiras Cariri .Esse espaço é uma grande miscigenação de estilistas,fotográfas,lavadeiras,cordelistas, modelos,desenhistas,prostitutas,estudantes,políticas, rezadeiras,cineastas e artistas visuais denunciam uma gama de anseios e atenções.

Alexandre Lucas - Depois de muitos anos você tira as suas poesias do baú?

Fatinha Gomes - Pois é. Que baú? Rsrsrsrs! Há pouco mais de um ano que eu tenho vivido muitos momentos poéticos na minha vida, tudo acaba se transformando num implexo de palavras, algo que externalizo para verbalizar as minhas observações. O Cariri é meu grande palco, é aqui que eu vivencio essas experiências. Retiro do meu dia-a-dia, da conivência social todas as coisas que escrevo. Sempre tive esse desejo, mas só agora eu me permito escrevê-las e publicá-las .

Alexandre Lucas - Como você caracteriza sua poesia?

Fatinha Gomes - Híbrida,racional, politizada e romântica imperfeita.

Alexandre Lucas - O que representa o Coletivo Camaradas na sua experiência estética e
artística?

Fatinha Gomes - Representa o plano material das ações, retirar do plano mental um discurso e partir para o campo de batalha.Foi no Coletivo onde reencontrei o desejo de pôr em prática e viver muito do que eu acreditava e desejava que fosse uma arte exercida no campo conceitual.
Ousar iniciativas de trabalhar arte na periferia com o Coletivo Camaradas foi muito interessante, pois foi lá onde tive a oportunidade de trabalhar com crianças e jovens.

O Coletivo Camaradas é minha grande “ escola” artística e que me amplia os horizontes para realizações futuras.

O Coletivo Camaradas é a minha casa.

terça-feira, 8 de março de 2011

Ulisses Germano - O homem traquino das múltiplas artes


A traquinagem não é coisa só para menino. Ulisses Germano é um desses exemplos, artista comprometido com o seu tempo navega pela música, poesia, artes visuais e pelas suas constantes invenções. Bebe da teoria e da sabedoria do nosso povo para construir no palco da vida uma arte humanizadora. “A pratica é a mãe ou o carrasco de toda e qualquer teoria” como afirma o artista traquino, Ulisses Germano.

Alexandre Lucas - Quem é Ulisses Germano?

Ulisses Germano - Um ser em construção, impermanente.

Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?

Ulisses Germano - Comecei ainda menino por pura necessidade, e como a necessidade é a mãe da invenção, fiz e faço desta vida um meio de expressar aquilo que sinto e vejo.

Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?

Ulisses Germano - Em relação à música, minha primeira influência veio mesmo da família. Meu avô, José Facundo, tocava clarineta na antiga Banda de Música de Jucás-CE., e meu tio Álvaro Correia era maestro desta banda de Jucás. Respirava essa atmosfera musical familiar junto com minhas tias Cely Correia e Maria José que, mais tarde, adotaria o nome artístico de Mazé do Bandolim e gravaria um disco ontológico no ano de 1999 chamado Terra dos Bandolins com músicos de ponta como Luizinho Duarte (violão e bateria), Adelson Viana (acordeom), Heriberto Porto (flauta) e Carlos Ferreira (clarineta). Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Dorival Caymmi e os cegos cantadores fizeram parte da trilha sonora de minha infância, depois vieram os sambistas Noel Rosa, Wilson Batista, Pixinguinha, etc., enfim, de Miles Davis a Pink Floyd, Beatles a Cego Aderaldo, de Egberto Gismonti a Mestre Aldenir, da Banda de Pífano de Caruaru ao e dos Irmãos Anicetos. Compartilho da idéia de que só existem, esteticamente, dois tipos de música: a BOA e a RUIM. É como gravidez, não tem meio termo. Mas de tudo que eu já escutei na vida nenhum músico me sensibilizou mais do que o genial Hermeto Pascoal. Hermeto, para mim, é o representante musical de nosso Planeta.

Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória?

Ulisses Germano - Comecei em Fortaleza tocando saxofone e flauta numa banda chamada Material, depois fiz parte da Tracajá Blues Band. Na década de oitenta comecei a tocar numa banda de Rock Progressivo chamada Trem do Futuro. Gravamos dois CDs. Está banda hoje faz parte do catálogo internacional da MUSEA – França. Paralelo a tudo isso eu ensinava flauta doce para adolescentes de numa escola pública CERE de Antonio Bezerra e formamos o Grupo Doce Flauta que tinha um repertório bem eclético e chegamos a tocar O Canto do Pajé de Villa Lobos com a orquestra Eleazar de Carvalho no Theatro José de Alencar em Fortaleza. Também realizei durante seis anos um trabalho voluntário numa ONG em Fortaleza no Bairro das Seis Bocas chamada REVARTE (Resgate dos Valores pela Arte). Cheguei ao Crato em 2003 para trabalhar como professor de Artes do Colégio Pequeno Príncipe e estou até hoje. Minha primeira apresentação foi no SESC, que é uma instituição cultural que eu tenho enorme gratidão, junto com o Di Freitas e seu violoncelo de papelão; toquei um instrumento que eu criei chamado Ovo de Dinossauro que tinha um timbre parecido com a tabla indiana. Josenir Lacerda foi quem me motivou a fazer cordel e Gomez (Zé de Calu) foi quem me apresentou os compositores e artistas da Região. Com o saudoso Correinha formei o Grupo CRATETO e com Mestre Aldenir (meu pai cultural) aprendi um pouco sobre reisado. Foi na Região do Cariri, morando no Crato, que eu encontrei minha verdadeira identidade cultural. Já ouvi da boca de muita gente viajada dizer que nossa região é a mais rica do país em termos de arte popular. Quem vem por estas plagas fica imantado por uma energia que até hoje eu não sei de onde vem nem de como se processa.
Alexandre Lucas - Como você ver a relação entre arte e política?

Ulisses Germano - Querendo ou não a política e as artes perpassam todas as ações do nosso dia a dia. Bertolt Brecht analisou tudo isto com muita propriedade. De uma forma mais concreta e em relação à música, esta ligação já foi bem mais estreita. Falo de modo particular em relação à música chamada de protesto. Podemos observar essa mudança vasculhando as gravações fonográficas desde os tempos da Odeon até os dias de hoje. Mas o homem deixou de ser um animal político para se transformar num animal absurdo! E arte também acompanha esta absurdez em que a espécie humana foi reduzida, porque Arte é poder. Nietzsche já sinalizava escrevendo sobre o medo que os políticos de uma forma geral têm da poesia e da filosofia. Os grandes compositores brasileiros e os artistas populares de peso, de um modo geral, são formadores de opinião e podem decidir uma eleição. Tiririca é um bom exemplo de como um excelente subproduto da alienação humana pode fazer em termos de avacalhação generalizada. Neste mundo em que o dinheiro compra tudo, a tal da sonhada democracia sofre de uma disenteria crônica e os que se deixam ser vencidos e vendidos por esta engrenagem alienante acabam, como dizia o Barão, sempre recebendo bem mais do realmente valem.
Foto: Evandro
Alexandre Lucas – Você consegue juntar o popular e o contemporâneo no trabalho que você desenvolve?

Ulisses Germano - Creio que sim. Quando eu fiz a escultura intitulada A INDIFERENÇA, premiada com medalha de ouro no VI Salão de Outubro no Crato, minha intenção era modelar uma peça capaz de expressar de forma clara e significativa esse sentimento tenebroso chamado indiferença. Então eu modelei um rosto com um olho vazado e outro sem ser vazado, mas olhando para baixo. O resultado é que o espectador jamais conseguia olhar diretamente no olho da peça, pois o que caracteriza a indiferença é o olhar que não olha ou pelo menos finge não olhar. Essa expectativa do espectador de tentar em vão achar o olhar da indiferença resultou num cordel que eu escrevi em parceria com poetisa Josenir Lacerda chamado A POÉTICA DA INDIFERENÇA. A peça em argila contempla o
contemporâneo em sua forma distorcida e o cordel é em si popular... Confesso que passo mal ouvindo esses discursos prolixos sobre Arte. Sei que a teoria é importante, mas sempre fico cabreiro em relações a rótulos. Procuro não rotular nada do que vejo ou do que faço. Se definir é matar, rotular é matar duas vezes.


Alexandre Lucas - A sala de aula é um laboratório de arte?

Ulisses Germano - Certamente. A ação de ensinar traz como conseqüência a ação de aprender, e é nesse jogo de reciprocidade, de vice-versa que a Arte em sala de aula se processa. Diria que não só na sala de aula. Um professor criativo sabe que os laboratórios não só de Arte, mas de Química, Matemática, etc., estão espalhados pelo mundo! A cozinha é pura alquimia, em todo canto existe geometria!


Alexandre Lucas – Ainda tem gente que acredita que a arte é dom?


Ulisses Germano - Tem gente pra tudo. Tem gente até que acredita que o homem não foi pra lua! –“Ora – dizem – se o homem tivesse ido pra lua tinha falado com São Jorge!” RS Deixando o gracejo, esse assunto é polêmico e requer uma análise mais aprofundada. Quando Mozart ainda criança revelou de forma surpreendente suas habilidades musicais para reis e princesas de Veneza, todos, obviamente, falavam de um prodígio, de uma coisa sobrenatural, de um “dom”. Lógico que ele nasceu com uma forte aptidão, o que ninguém viu foi a metodologia empregada pelo velho Leopold Mozart (seu pai) para aperfeiçoar o gênio do filho! As chamadas “Crianças Índigo” que estão brotando em diversas partes do mundo têm abalado a idéia dos que rejeitam a possibilidade de alguém nascer com um dom. Eu realmente fico bestificado com as pictografias, os desenhos mediúnicos feitos pelo mundo afora. Mas como professor de Artes acredito que todos nós temos habilidades para fazer arte. Definitivamente, Arte não é um dom, ou pelo menos não deveria ser encarado dessa forma em termos pedagógicos. Arte é uma energia que passeia pelo ar e que qualquer receptor mental vivo pode captar.


Alexandre Lucas – Esse crença acaba afastando as pessoas das artes?

Ulisses Germano - Lógico! Se a Arte é um dom, então não haveria necessidade do ensino das artes na Escola! Eu tenho um aluno no 8° ano que é um excelente desenhista, mas sempre traz na mochila um caderno cheio de desenhos. Quer dizer, ele pratica o tempo todo, através de erros e acertos ele foi aperfeiçoando suas habilidades. O conceito de arte hoje em dia é bem mais abrangente e está intimamente ligado ao projeto político-educacional mais revolucionário do mundo que é de EDUCAR OS CORAÇÕES! A arte ensina a Educar os Corações, lapidando os sentimentos... Por isso que o ensino das Artes do Brasil foi sempre colocado em segundo plano. Prá quê ensinar arte se o que interessa é o vestibular. O que não “cai” no vestibular não cabe na lei do mercado. Recuso-me a chamar os aprendentes de “clientela”.


Alexandre Lucas - Qual a contribuição social do seu trabalho?


Ulisses Germano - Creio que o que mais se aproxima dessa pergunta tenha sido o lançamento do cordel DO SELO LAMBIDO AO PONTO COM em parceria com o professor Zé Mauro. Foi o primeiro cordel publicado em Braille pelo Instituto Benjamim Constant. Fez parte de um projeto de Belo Horizonte –MG – Livro de Graça na Praça onde aproximadamente 40 mil livros foram distribuídos de graça. Meu mais recente cordel As Proezas do Peixe Pedra, em parceria com a URCA/Geopark, será lançado e distribuído nas Escolas Públicas.

Alexandre Lucas – Quais os seus próximos trabalhos?

Ulisses Germano - Gravar um CD com minhas composições fatigadas.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Maria Gabriela Federico – Artista, restauradora e visionária


Gabriela é uma viajante, uma cidadã do mundo, com uma sensibilidade e inquietação aflorada que descobriu há alguns anos a cidade do Crato - CE (localizada no espiritual Estado do Cariri) e um dos seus empreendimentos foi o Olhar Casa das Artes, uma espécie de casa de convivência entre público e artistas. Essa peregrina da arte é uma das principais restauradoras de peças artísticas da cidade do Crato.


Alexandre Lucas - Quem é Maria Gabriella Federico?

Maria Gabriela Federico - Sou profissional da área de restauração e gosto muito da profissão que escolhi; por isso me dedico ao trabalho com fervor e emoção. Gosto da diversidade, a humanidade me fascina. Sou uma observadora atenta a tudo e a todos, principalmente no que diz respeito à cultura e as artes. No campo das artes, gosto da pintura, da escultura, da música, do teatro, do cinema, etc. Procuro me rodear do belo no tocante a arte e da amizade no relacionamento com as pessoas. Sou caseira e muito ativa. Não consigo ficar um instante sem fazer algo, sempre procuro me ocupar: seja organizando a casa, cozinhando, restaurando, lendo, ouvindo música, etc. Esse comportamento dinâmico, meu filho, o trabalho e os amigos me dão forças para ter uma vida equilibrada e a medida do possível feliz. Sou também uma colecionadora compulsiva: gosto de sapatos – ás vezes me sinto a Imelda Marques … aquela das Philipinas (risos). Coleciono também livros, esculturas, pinturas, fotografias. Sou uma pessoa alegre e parecida com tantas outras. Como diria Rita Lee: “Uma pessoa comum, um filho de Deus… remando contra a maré” só que acreditando nas pessoas e com muita Fé !!

Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?

Maria Gabriela Federico - Há um bom tempo. Desde minha infância na Itália. O trabalho com Restauração começou na minha adolescência.

Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?

Maria Gabriela Federico - O meu trabalho tem influência do trabalho de meus mestres restauradores da Itália. A arte do Império Romano Antigo, do Renascimento Italiano, do Maneirismo, do Barroco e do Rococó com há qual muito convivi em Roma, também tem reflexo no meu trabalho.

Alexandre Lucas - Como você se tornou restauradora?

Maria Gabriela Federico - Quando terminei meus estudos na Academia de Artes em Roma, ainda não tinha clareza de qual profissão seguir. Minha mãe trabalhava com alta costura e tinha conhecidos no “mundo da moda italiana”, com isso comecei a fotografar na Itália para empresas particulares e para álbuns de modelos. Naquela época eu fotografava com máquinas analógicas, e o custo com películas fotográficas, viagens e estadias, me fez perceber que tinha mais despesas que lucro em essa profissão. A concorrência acirrada, também me afastou da profissão de fotógrafa. Voltei para as artes decorativas. Como já trabalhava com cerâmica, comecei a decorar peças de barro cozido, com pigmentos coloridos para forno. Também fui monitora de artes para doentes mentais em um consultório psiquiátrico e em um abrigo para crianças abandonadas.

Tempos depois conheci uma restauradora renomada em Roma que me convidou para trabalhar em seu atelier. Com quatro meses de trabalho já dirigia restaurações de afrescos em prédios históricos – responsabilidade a mim concedida por minha “Maestra”. Havia muito trabalho e ela confiava na minha aptidão ao trabalho de restauro.

Mais adiante, fiz cursos de aperfeiçoamento em escolas de artes particulares. Fiz cursos de estética e história da arte, técnicas e materiais de restauração, restauração de esculturas, restauração de afrescos, decoração em falsos mármores, aplicação de folhas de ouro e prata em objetos artísticos, técnicas de pintura, etc. Trabalhei em uma dessas escolas como restauradora exclusiva por dois anos. Em seguida abri minha própria firma de restauração em Roma.

Alexandre Lucas - A restauração possibilita para você um contato com a história dos lugares?

Maria Gabriela Federico - Sim, muito! Por exemplo, restaurei aqui no Crato, há alguns anos atrás, a imagem da padroeira da Cidade – Nossa Senhora da Penha. Símbolo maior da comunidade Católica do Crato. O Crato Nasceu de uma Missão Católica vinda de Pernambuco para se fincar num aldeamento indígena na região. Os capuchinhos que aqui chegaram trouxeram a devoção de Nossa Senhora. Portanto quando restauro um símbolo de devoção popular de longa data, entro em contato com a história do lugar.

Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória como restauradora?

Maria Gabriela Federico - Todos nascemos com uma determinada aptidão, às vezes a desenvolvemos, às vezes não. Quando pequena, eu recolhia cacos de cerâmicas quebrados de algumas coisas na cozinha, tinha seis anos e colava as partes diretinho, lembro-me que já entendia que se tivesse uma cor para complementar a pintura, a rachadura seria disfarçada, era uma brincadeira que me dava prazer. Tudo o que fiz me serviu de preparação profissional. Descobri isso, tempos depois, e por acaso.

Trabalhei com restauração (Afrescos) na Italia: Roma, Napolis, Frascati (Interior do Lazio) Milão e Torino. Outros lugares foram Barcelona, Creta e Ginevra, sempre trabalhei intensamente, até mesmo nas férias, pois não consigo ficar parada.

Aqui no Brasil cheguei no ano 1996. Mas de inicio não trabalhei com restauração, porque meu filho era muito pequeno e resolvi me dedicar a ele. Mas, depois de um tempo, abri um espaço comercial em Santa Maria no Rio Grande do Sul que era meu atelier. Os meus clientes eram antiquários e colecionadores de arte. No ano 2000 trabalhei para prefeitura do Rio de Janeiro com restauração de painéis de azulejos portugueses. Depois, fui a São Paulo, na cidade de Pindamonhangaba e finalmente em Vitória, no Espírito Santo onde fiz vários trabalhos na minha área de atuação. Voltei para o Sul e de lá vim para o Nordeste. Primeiro Fortaleza onde trabalhei para o IPHAN e depois me estabeleci aqui no Crato. Vim para o Crato para restaurar a imagem de Nossa Senhora da Penha na Igreja Matriz. Por essa terra me apaixonei e aqui estou até hoje: sempre restaurando e me aperfeiçoando nesta arte.

Alexandre Lucas - Quem mais restaura no Brasil?

Maria Gabriela Federico - Quem mais restaura são os restauradores contratados pelo governo Federal, principalmente a serviço do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Outros que contratam serviços de restauradores são: Antiquários, Museus, Igrejas – principalmente a Igreja Católica, Institutos do Patrimônio Histórico de alguns estados da federação e alguns setores da iniciativa privada.

Alexandre Lucas - Como você ver a relação entre arte e política?

Maria Gabriela Federico - A arte está atrelada as relações humanas. Conseqüentemente é fruto dessas relações. Estas relações podem ser históricas, políticas, sociais, etc. Então, no meu entender, a arte não está desvinculada da política.

Alexandre Lucas - Quais as principais dificuldades técnicas encontradas pelo restaurador?

Maria Gabriela Federico - Algumas, principalmente a falta, aqui na região, de materiais adequados para o restauro. Grande parte do meu material de trabalho tenho que comprar em grandes centros comerciais como São Paulo. Outras dificuldades podem surgir, mas tento sempre contorná-las usando minha criatividade. No meu trabalho tento me espelhar nas regras impostas pelo IPHAN de acordo com normas internacional com a utilização de materiais reversíveis nas restaurações: colas animais, pigmentos naturais de qualidade superior, resinas de fácil remoção.

Alexandre Lucas - Quais seus próximos trabalhos?

Maria Gabriela Federico - Espero contribuir com a preservação do patrimônio artístico do Cariri. Desejo restaurar sempre com qualidade e dedicação.