quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Salete Maria: Uma mulher da luta, da poesia e de coragem

Alexandre Lucas - Quem é Salete Maria?


Salete Maria - Um embrião cearense nascido em solo paulista por força do êxodo rural;
Uma mulher sem fronteira: esdrúxula, excêntrica, complexa e principalmente visceral;
Uma cordelista insurgente, considerada demente, malgrado sua contribuição social;
Uma cidadã neo-romeira, talhada em meio às trincheiras de uma rica cultura regional;
Uma advogada constante, questionante, militante, entusiasta de um jusdicere plural;
Uma professora sem flores, pudores e muito menos louvores do cânon institucional;
Uma estudante acesa, a caminho da defesa de uma (quase parida) tese doutoral;
Uma pesquisadora insolvente, buscando ser coerente com as mais caras demandas da vivência social;
Uma filha ‘maluvida’, mui grata e comovida com a cármica (e já batida) crise existencial;
Uma mãe pouco usual, camarada e dedicada a desmantelar o mito do dito amor maternal;
Uma amiga (e inimiga) igualmente entretida nas mais recônditas brigas de cunho espiritual;
Uma amante estreante, delirante, festejante, mas, sobretudo errante neste campo marginal;
Uma figura política, que faz e recebe crítica e, qual uma fruta cítrica, pode fazer bem ou mal;
Um ser humano incompleto, de coração inquieto que, ante sanção ou veto, busca o fundamental.


Alexandre Lucas - Quando tiveram início seus trabalhos poéticos?


É difícil demarcar, com exatidão, o começo da manifestação poética em minha vida. Acredito que desde que escutei os primeiros versos, lá por volta dos cinco ou seis anos de idade, na casa de meus avós, no Sítio Canabrava, município de Granjeiro-CE... Dali em diante - e sempre com maior entusiasmo - fui escolhendo fazer da voz e da escrita um instrumento de denúncias e pronúncias sobre o macro e o microssocial.


A coragem (e mais do que isto, a necessidade) de publicar, no entanto, veio somente lá pelos anos de 1994/95, quando no jornal “Caldeirão” do Diretório Central dos Estudantes - DCE da Universidade Regional do Cari ri, lancei o cordel/poema intitulado Desabafo Acadêmico Matuto, cujo mote era: “este curso de Direito só vai me desmantelar”. E é incrível como este cordel/poema teve/tem uma força tremendamente profética (para o bem ou para o mal) em minha vida nesta instituição (risos). Fico emocionada ao re-lembrar que estreei minha literatura torta ali, na graduação em Direito, naquele tempo em que a poesia era uma forma de expressão permitida naquele lugar...


De qualquer modo, foi em 1996 que eu publiquei a primeira edição do cordel Mulher-Consciência – nem violência, nem opressão, cujo conteúdo versa sobre a histórica condição de subalternidade feminina e a necessidade de organização das mulheres, onde exsurge a minha forte influência marxista. Daí em diante são 14 anos ininterruptos de publicação, com mais de 40 folhetos, versando sobre temáticas ligadas às questões marginais e periféricas, com destaque para as relações de gênero, violência contra mulheres, homossexuais, crianças, idosos, direitos humanos, assédio moral, e outros temas que me mobilizam...


Alexandre Lucas -Quais suas influências?


Salete Maria - ão múltiplas e variadas as influências subjacentes a minha obra. Todas são um reflexo da minha vivência, das minhas experiências das minhas relações, ou seja, da realidade social do meu tempo... Basta ler qualquer um dos meus textos para perceber a presença de variadas vozes e visões, não obstante eu sempre defenda uma proposta, sempre adote um posicionamento...
Para melhor explicar, vou dividir estas influências em duas vertentes, mas consciente de que ambas, ainda hoje, coexistem, simultaneamente, como um resultado da minha (con)vivência, do e no meu lugar social.


A primeira influência veio “naturalmente’’ do meu núcleo familiar, onde a literatura de cordel foi a principal (talvez única) modalidade artística acessada pelos meus ascendentes. Trata-se de uma influência sobre o tipo de literatura que eu produzo.


A segunda vem de relações e atividades sociais, institucionais mais gerais, mais amplas, como a escola, o movimento estudantil, o partido político, o sindicato, as manifestações culturais e religiosas, a atividade profissional, a prática de leitura, a participação em eventos e reuniões literárias e a aproximação com artistas, intelectuais e militantes políticos, tanto no Cariri como em Sampa, por exemplo. Trata-se de uma influência no sobre o conteúdo de minha poética.


No primeiro caso, posso dizer que o gosto pela literatura de cordel foi se construindo a partir da convivência com minha avó materna, Maria José da Silva, ou simplesmente Cumade Maria José, nascida em 1913, em Juazeiro do Norte, onde fora batizada e apadrinhada pelo Padre Cícero Romão Batista e Nossa Senhora das Dores. Sua presença em minha vida foi fundamental para minha poesia. Esta velha mulher, da qual sou descendente, faleceu em 2003, aos 90 anos de idade, tendo, ao longo da vida, parido mais de uma quinzena de vezes. Era, como muitos dos que moram no Cariri, descendente de romeiros pernambucanos e exibia uma grande sensibilidade poética. Mesmo cega e analfabeta, sempre “dizia” velsos e rumances para quantos quisessem escutá-la, no terreiro da cozinha ou na sala do santo de sua casa... Dentre os tantos ouvintes, eu era a que mais se “encantava’’ com sua performance poético-teatral. Minha avó era, para mim, uma atriz, uma show woman, um verdadeiro evento. Foi, portanto, a primeira poeta, a primeira cordelista que eu conheci. Nunca me cansei de apreciá-la recitando poesia e nem de ler para ela as dezenas de folhetos que havia em sua casa. Sempre que posso, ainda a “escuto’’, através das fitas cassete que tive a sorte e o prazer de gravar.


Além de minha avó, meu tio, o poeta Zé Alexandre, me inspira e me estimula, com suas rimas primorosas e seu amor à ‘’poesia matuta’’. Posso dizer que devo aos meus parentes, principalmente aos da zona rural, o gosto pelo cordel, pois estes, mesmo sem saber ler, eram possuidores de inúmeros exemplares e tinham na literatura de cordel uma atividade de deleite e também um veículo de notícias, através do qual sabiam das coisas do mundo. Através deles conheci a escrita de João Martins de Athayde, Severino Milanês, Leandro Gomes de Barros, Manoel Camilo, José Pacheco, Expedito Sebastião, Patativa do Assaré, Zé Limeira, dentre outros.
A segunda vertente de influências das quais não pude e nem quis fugir, vêm de muitos outros poetas, escritores, pensadores, filósofos, políticos e personalidades públicas de variadas épocas e matizes. É que além de cordel, eu também li muito gibi, jornal, revista, livros, cartas, benditos, bulas de remédio, etc. Acredito que meu trabalho é um profícuo diálogo com todas estas manifestações artístico-literárias que igualmente fizeram e fazem parte da minha formação cultural.


Em síntese posso dizer que - latente ou ostensivamente - tem sempre um Karl Marx sob minha arte, sob minha lente. Seja em Pessoa ou por algum descendente: Um velho Gullar, uma Beauvoir, uma voz do Assaré, um novo Tom Zé, um índio Cariri, uma flor de pequi, um Manoel Bandeira, um cantador de feira, uma Cristina Cesar, um Genival Lacerda, um Bertolt Brecht, um cabra da peste, uma Margaret Mead, um Martins de Athayde, um de Santo Amaro, um Raimundo Faoro, uma Elisa Lucinda, uma Dona Florinda, um Maiakovski, um Paulo Leminski, um Padim Ciço, uma jovem no viço, uma Safiotti, um Máximo Gorki, um Zé Ramalho, um dente de alho, um Belchior, um outro professor, um Walt Whitman, uma out vítima, um Monteiro Lobato, um velho retrato, uma Nísia Floresta, uma louca festa, um Luther King, alguém que me xingue, uma Kollontai, um neo-Karimai, um Michel Foucault, um pé de fulô, uma Judith Butler, um juiz com glitter, um Carlos Drummond, uma luz neon, uma beata oculta, um filho da puta, um embolador, um quase-doutor, uma cientista, uma trotskista, uma rezadeira, uma macumbeira, uma mulher latina, uma nordestina, contra suas sinas, com suas meninas, com suas gaitadas e suas facadas, um sol enxirido e um farol bandido, e ambos sentidos sempre vão surgindo, gritando e parindo, uma nova estrada.


São estas algumas de minhas más companhias, reflexões e (ins)pirações, são os velhos e novos sintomas de minha saúde no campo das artes.


Alexandre Lucas - Você tem uma produção literária com uma temática ligada a minorias sociais. Isso é escolha?


Salete Maria - Sim e não, obviamente (risos). É escolha e necessidade. É opção e imposição da vida, pois minha existência, meu lugar social está no campo dos sub-representados, das ditas minorias sociais. Sempre participei das lutas pelo reconhecimento de certos sujeitos e de seus direitos. Minha arte, portanto, desde que tenho consciência do meu lugar e do meu papel social, sempre foi assumidamente militante, participante, e eu não apenas tenho a coragem de assumir esta, para muitos, incômoda posição como tenho orgulho de me colocar desta maneira, malgrado o alto preço que se paga por adotar esta postura. Mas isto não faz parte do meu show, é o elemento central dele.


A respeito disto, concordo com Gorki, quando diz que o escritor “não pode ser uma simples testemunha contemplativa dos acontecimentos de sua época.” Com efeito, não sou mais um escriba de velhos conceitos que os registra, insípida e imparcialmente, ao longo da vida. Assim como Drummond, constato que “são tão fortes as coisas, mas eu não sou as coisas e me revolto!”. Sou uma escritora das revoltas, uma revoltada na melhor e mais política acepção desta palavra. Escrevo para provocar reflexão, revolta, pensamentos, conhecimentos, para, quem sabe, ajudar a mudar as coisas.


Werneck Sodré nos ensinou que as artes não são feitas apenas para o deleite, o ócio, o prazer. E eu reconheço que estas são possibilidades e aspectos importantes das artes. Mas a arte também é um processo de conhecimento, tão rico e tão importante quanto qualquer outro. Por isto não nego o caráter social e transformador do fenômeno literário. Eu escrevo profundamente (ins)pirada, mobilizada por aquilo que vivo, que experimento, individual, coletiva e, sobretudo, socialmente no meu tempo e no meu lugar...E o Cariri é um lugar de lutas onde minorias sociais oram, laboram, pelejam e constroem a sua história.


Alexandre Lucas - Como você vê a relação entre arte e política?


Salete Maria - Indissociável. Nada é mais político do que a arte e nem mais artístico do que a política.
Gosto de lembrar sempre para os que advogam a arte dissociada da vida real, da política, do processo de produção, que desde sempre a arte é um produto da organização política da sociedade. Desde as sociedades primitivas as artes estão diretamente ligadas ao trabalho. E como o trabalho estava diretamente ligado a natureza, as artes testemunhavam muito isto, ou seja, a presença do homem na natureza e também sua luta para transformá-la. A arte expressava as relações entre os grupos, a batalha pela sobrevivência... Neste período, como sabemos, a transmissão artística era quase que totalmente oral e visava a interpretação do trabalho, basicamente. O objetivo da arte era reter a experiência e suavizar o esforço despendido no trabalho.


Para compreender a relação arte/política, arte/sociedade, eu precisei dar um passeio pela evolução histórica do fenômeno artístico (que não é linear) mas que dá para perceber, ao longo dos tempos, a posição do escritor, do público, das técnicas de transmissão do pensamento e como tudo foi mudando de época para época, de lugar para lugar, conforme mudavam também as condições históricas da vida em sociedade.


Eu quis e quero entender isto para melhor entender meu trabalho e me situar neste processo dialético. Então, comecei fazendo perguntas. Como se dava isto nas sociedades primitivas? E nas sociedades escravistas? Ora, as pesquisas dão conta de tínhamos uma transmissão oral, onde todo mundo tinha acesso igual e não havia uma arte para uma dada classe ou exclusiva de determinadas pessoas, mas isto foi somente até certo período da história, porque depois foi surgindo as primeiras técnicas de registro gráfico do pensamento, das idéias, e também as classes sociais, aí se deu a ruptura entre o modo de se interpretar e justificar determinadas relações e a arte sofreu esta influencia também. Para o marxismo, é aí que vai surgir uma arte requintada e uma arte dita popular, uma literatura popular. A primeira passou a ter um registro gráfico, enquanto a segunda permaneceu oral. Então, foram as condições sociais objetivas que fazem com que acontecesse desta maneira. Foram as decisões políticas. E quando a gente estuda história, literatura e arte a gente vê que no mundo grego e romano a transmissão oral preponderava. O teatro era a mais importante prova disto. A gente percebe que havia uma conexão entre saber e religião e que tudo tava monopolizado pela classe dominante.


E na sociedade feudal? Ora, aí o clero monopoliza o saber e as artes. E, pela própria forma de organização social, predominantemente rural, a comunicação era muito rudimentar. Havia o cancioneiro nas pequenas comunidades e a literatura jogralesca nos castelos, para o deleite da classe senhorial. Sodré diz que aí surge o primeiro bilingüismo, ou seja, uma língua “culta” e uma língua “ popular”. Por razões óbvias, a arte literária oficial foi elaborada em língua dita culta e a arte do povo foi transmitida oralmente, em dialetos regionais, locais, ficando muito circunscrita... é desta arte aí que eu sou herdeira...


Bom, e depois? Aí veio o mercantilismo e o fim do feudalismo. Surge a nova classe com suas necessidades de conhecimento mais amplo e mais útil. Acontecem mudanças, inclusive nas artes, que, por força das navegações e outros meios, já não ficavam tão restritas a um salão. É claro que a desigualdade na produção e no acesso continua ate hoje. Mas não se pode negar que houve uma mudança de paradigma em termos de ampliação do saber e do fazer. Depois de criados os Estados com seus idiomas nacionais, e a unificação dos poderes com o surgimento da imprensa, muita coisa mudou, sobretudo o fim do domínio privado do saber e da arte pelo clero. A burguesia prometia generalizar, universalizar o acesso aos bens culturais. Mas nós sabemos que pobres, mulheres e outras categorias seguiram privadas do acesso e da produção da arte.


Bom, o desenrolar desta historia conhecemos bem, afinal os antagonismos de classe se acirram sempre e se manifestam inclusive por meio da arte, apesar de muita gente, - até mesmo artistas - afirmar que arte e política não se comunicam. Bom, por pensar diferente, eu produzo como alguém que está envolvida e que tem consciência da responsabilidade diante das questões sociais de minha época. Acredito que o ser humano e suas relações são o principal objeto de qualquer manifestação artística. E, já que o humano vive em sociedade, e pertence a uma dada classe, tem sexo, raça, etnia, numa palavra, é um ser político, não da para fazer arte fora da política, certo?
E é isto o que faço. Nasci e me desenvolvi como minoria social. Meu sentimento de pertença seja com relação a classe, gênero, etnia, regionalidade, etc, é assumido politicamente aqui no Cariri cearense. Faço escolhas e pago por elas. Isto também é arte, arte da sobrevivência (risos). Escrevo e falo sobre aquilo que me excita, incita, sobre o que diz respeito a meu lugar, meu mundo, meu tempo, meu modo de vida... Escrevo para dizer alguma coisa sobre algo que não foi dito ou que foi dito de modo que precisa ser contraditado. Sou uma escritora que também protagoniza, sou parte dos fenômenos sociais do meu lugar e do tempo. Sou, como todo ser humano, política.


Por isto tudo, penso que o artista que se refugia na conversa falaciosa da arte pela arte, que se diz incontaminado, puro, inevitavelmente se torna presa fácil do discurso de plantão, pois só é possível realizar arte ligando-se a realidade, caso contrário o artista cai numa produção vazia e sem perspectiva; afinal, como diz Sodré, a arte não pode prescindir das manifestações da vida, porque a vida é sua fonte fundamental. E o artista não está imune as contradições da vida.
Concordo com Gorki quando afirma que as idéias não são achadas no ar, como um gás ou similares, elas nascem da vida social, no terreno do trabalhado, da observação, da assimilação, das batalhas, dos fatos. Para ele, como para mim, o escritor não é apenas alguém que assiste, mas que depõe sobre o que assiste, e não o faz como uma testemunha passiva, incólume. A sociedade é o lugar onde acontece a observação e ação do escritor. Isto é política. E trabalha com política só pode ser político.


Noutras palavras, a arte também é um protesto contra a alienação, contra a exclusão, contra a opressão. Por isso o escritor tem um papel político importante a cumprir, especialmente em regiões periféricas como a nossa, onde predominam situações de pobreza, desemprego, discriminação, perseguição, violência, e morte. Aí o nosso papel ganha mais importância ainda.
Ademais, a poesia nasce das necessidades de reflexão, como o canto e a dança e outras manifestações. E serve à ação dos seres humanos. A questão da arte pela arte não me convence. Todo artista fala de um lugar social, colabora com alguma tese social. Na minha concepção, o escritor precisa ser honesto com o que ele acredita, tem que resistir contra a força tremenda da corrupção social que define tudo como mercadoria. Amo uma frase de Sodré que diz: “é barato tudo que se compra apenas com dinheiro”.


Tem também que ter consciência da luta histórica dos artistas pela liberdade de pensar, de criar, de se comunicar, sem algemas, sem limites. E não apenas contra as formas ostensivas de opressão, de impedimento, mas também contra as formas veladas, disfarçada, sutis e, por isto mesmo, mais perigosas de controle. Tudo isto é política e não podemos fugir disto.


Ademais, a arte não pode ser um bem que somente burgueses possam ter acesso. Não tolero esta posição imperialista, aristocrática e incompatível com a criação artística. Entendo que só há arte quando muitos, digo melhor, quando todos e todas podem apreciá-la. E somente uma posição militante pode fazer com que a arte seja ampliada, acessada pela maioria da sociedade. O artista não pode dizer nunca ‘’não tenho nada com isto’’. Por isto, reafirmo arte é política, por excelência. E, no meu caso, é lugar de muitas batalhas e de imenso prazer também.


Importa lembrar que os que negam o caráter político da arte também assumem e servem a uma proposta política. Um exemplo disto é a atitude de alguns ditos “especialistas de notório saber, eruditos e gramáticos da grande literatura” que ignoram ou boicotam o meu trabalho por conta não apenas da sua natureza, do seu formato, mas da explícita política que o caracteriza. São autoridades ferozes em suas posições, mas sequer tem coragem de admitir que não gostam da minha verve poética por que ela é assumidamente política. Limitam-se a dizer, quando dizem, que meu texto não é cordel, porque não é “tradicional.” São incapazes de procurar entender o que desejo passar e desprezam, com dedicado esmero a minha poética, negando legitimidade a minha poesia. Também não gosto dos meros repetidores de teorias estrangeiras, que, “com suas receitas universais e infalíveis” e com suas superstições ridículas, fingem gostar do que escrevo e muitas vezes ousam tentar explicar o que estou querendo dizer. Eles e elas têm razões políticas e sociais inequívocas contra ou a favor do conteúdo do meu texto, mas, não assumem para não fortalecer a minha tese de que arte e política se conjuminam.


A respeito disto eu pergunto: não é surpreendente e curioso que em eventos sobre versos, cantorias e artes conexas eu sequer seja convidada, sequer seja discutida, sequer seja citada por aqueles que me conhecem, quando alhures, em terras outras, eu esteja sendo premiada, estudada, (re)citada? Onde minha fala política não incomoda os poderosos de plantão. Ora, ora, a fúria lúdica da minha obra não será diminuída e sufocada pelo desprezo dos que argumentam que arte e política não se coadunam, mas, por razões inequivocamente políticas negam ou ignoram a minha produção justamente porque ela faz denuncias e pronúncias políticas específicas, endereçadas.


Lembremo-nos de que o artista em todos os tempos sempre professou a liberdade. E a liberdade é uma categoria política. Não é uma dádiva, mas uma conquista. Se um artista é discriminado ou segregado em face das idéias que professa, esta sociedade só pode estar doente, podre, putrefacta. Repito: através da arte o ser humano toma consciência da realidade e pode transformá-la. Eis porque algumas artes são consideradas perigosas, e algumas são proibidas. Comigo já foi assim, com muitos ainda serão.


Tudo em arte é política e esta constatação não tem que ser feita com uma sensação de ânsia de vômito, o que é preciso é procurar saber, entender o que é política, primeiramente, para, depois, tentar discutir, questionar e ressignificar, se for o caso. Não há mais espaço nem lugar para arte ou literatura uniformizada, pois nem mesmo dentro da modalidade artístico literária a qual me dedico, ou seja, a literatura de cordel, há unanimidade de expressão, nem uniformidade, nem homogeneidade neste terreno cultural tão fértil, e cujas formas, conteúdos, discursos e conceitos estão politicamente em disputa, todo mundo sabe disto!


Porém, como diz certo guia espiritual, apenas alguns importantes cegos conseguem ver o quanto nosso tempo é um tempo marcado, caracterizado por profundas alterações, transformações e transições de velhos para novos paradigmas, nas idéias, no pensamento, nas expressões, na filosofia e nas ciências em geral. E, como escritora, como cordelista, já nasci, já surgi em meio a este inconformismo com velhos padrões. Ressuscitemos, pois, mais uma vez o velho Marx: as mudanças não se processam sem conflitos, sem erros sem acertos, sem dores, sem contradições. E isto se aplica a arte, que por sua vez é sempre política e com toda razão.


Alexandre Lucas - Quais sãos suas convicções políticas atuais?

Salete Maria - Venho advogando, ao longo dos últimos vinte anos, um modelo de sociedade diferente deste no qual vivemos. Apesar de tudo, ainda me reivindico comunista, e por isto mesmo, libertária, apesar da morte - muito mais ideológica do que física - de muitos comunistas e de muitos comunismos de plantão. Sei que existe atualmente uma tendência, inclusive acadêmica e literária, voltada para a total negação do velho Marx. Reconheço as insuficiências do marxismo – que são muitas – mas percebo que em vez de serem supridas e são apenasmente demonstradas. Não há grandes esforços no sentido do aprimoramento desta teoria nos últimos anos. E os poucos esforços são escamoteados. Como disse, vivemos tempos de ricas e necessárias problematizações, inclusive da própria proposta de socialismo/comunismo. Mas também sabemos que este discurso se apóia predominantemente na necessidade de manutenção do capitalismo e onde muitos se reportam a derrocada das (até certo ponto equivocadas) experiências do leste europeu, mormente agora, quando do aniversario da queda do muro de Berlim, para perpetuar este regime perverso e desumano chamado de Rei Capital. Há um grande perigo nas generalizações e nas deliberadas confusões no campo das esquerdas. Refletir sobre isto demandaria uma conversa, uma entrevista exclusiva para tanto.


Estou tranqüila quanto as minhas convicções políticas, pois não pertenço e não defendo este comunismo ou socialismo domesticado, institucionalizado, que tem sido condescendente e até amigos dos patrões e dos políticos inimigos históricos da verdadeira proposta de sociedade alternativa. Não faço acordo com os predadores dos sonhos da juventude, da cultura, da arte, do futuro, do amor, da vida neste país e neste planeta. Eu prefiro seguir defendendo a ‘’outra’’ política. Um socialismo construído fora dos gabinetes, que seja forjado a partir da prática real, com seus erros e acertos, e não como discurso apenas. Não suporto estes socialistas que surgem apenas em ano de eleições.



Na verdade, temos que aproveitar para desconstruir cada vez mais isto. Devemos participar das eleições para deixar isto muito bem demarcado. Estou cada vez mais convencida da importância de se continuar travando uma luta política desde um lugar legítimo onde seja possível a participação incondicionada de organizações e pessoas verdadeiramente comprometidas com a emancipação e desenvolvimento deste país, desta região. Assisto a corrupção dentro do governo central do Brasil, dentro de partidos, inclusive os de esquerda, e vejo com tristeza as justificativas elaboradas para esta situação. Ah, e a adoração a caudilhos e novos-idolos populistas? Apesar de tudo, sigo crente na força dos movimentos sociais e num novo paradigma político onde, de fato, a revolução seja obra não de amplas massas amorfas e universais, como antes pensou Marx, mas de sujeitos, homens e mulheres, que, além de pertencerem a uma classe social, também sejam reconhecidos e respeitados em face de sua cor, sexo, etnia, idade, orientação sexual e tudo mais que faz com que tenhamos desejo de mobilização, de transformação social.


Sou do partido dos de baixo, dos que estão dispostos, por diversos meios, a contrariar chamado “coro dos contentes’’. Creio na dialética da vida. Ela sempre se impõe, sempre comparece...


Alexandre Lucas -Você foi uma das fundadoras da Sociedade dos Cordelistas Malditos. O que representou essa sociedade para a produção literária na região do Cariri?


Salete Maria - Sou uma participante apaixonada desta Sociedade que foi criada no ano 2000, em Juazeiro do Norte-Ce, por iniciativa de Fanka, Helio, Hamurabi e outros. Trata-se de “um grupo, um movimento, uma aliança informal de poetas” que veio enriquecer ainda mais a já rica cultura cariri, que de tão diversa, de tão múltipla, de tão cara, de tão nobre torna se a cada dia mais interessante aos olhos dos de dentro e dos de fora deste ‘’locus cultural’’.


Surgimos em plena ‘’comemoração’’ dos 500 anos do Brasil, e apresentamos uma proposta inovadora, problematizadora sobre arte, sobre literatura, sobre cordel. Desde cedo propusemos um diálogo do cordel com outras manifestações culturais.


Dizem que a diferença entre os Mauditos e os ditos tradicionais se dá tanto na forma quanto no conteúdo. E é verdade. Na forma, inovamos com o papel, com a capa, que além da xilogravura também usamos colagens, desenho, foto, etc. Às vezes ilustramos até as folhas internas do cordel. No conteúdo, procuramos abordar de modo crítico, denunciativo, propositivo, problematizador e emancipatório questões que os cordéis tradicionais tratam mantendo o status quo. Demonstramos a questão da violência contra a mulher, do discurso homofóbico, machista, racista, sexista presente em muitos dos clássicos da literatura de cordel. Falamos sobre temas os mais variados e demos visibilidade a acontecimentos, pessoas e relações sociais não tratadas até então por este tipo de arte.


Atualmente, os Mauditos estão, enquanto grupo, meio dispersos, pois os cordelistas precisam trabalhar para sobreviver...Eis a prova da existencial social e política do poeta...De vez em quando algum de nós se comunica com o outro, em geral para dar noticias de um novo cordel que tá produzindo...Hélio e Soneca já me mandaram textos maravilhosos que produziram neste período em que somente temos nos falado pela internet...


Mesmo assim, por onde passo gosto de destacar nossa Sociedade e o valor do trabalho do grupo e de cada um. Sempre coloco em relevo a importâncias da poesia dos colegas, dos Poetas Hélio Ferraz, Fanka, Soneca, Batata, Orivaldo, Nicodemos, Paulo, enfim, dos ditos mauditos do Cariri, que, na minha opinião são realmente muito bons. Logicamente que de tão mauditos temos divergências entre nós, mas isto faz parte da proposta de sociedade. Nos últimos tempos parece que quem mais tem publicado sou eu, e tenho procurado manter este espírito de poesia social e crítica que marca o nosso grupo e o meu próprio trabalho desde antes da Sociedade.


Em 2000 divulgamos manifesto que dizia mais ou menos assim: A nossa comunicação se dá através da poesia de cordel, traço da nossa identidade nordestina. Odiamos tecnicistas sem sentimentos literários. Somos contra o lugar comum da globalização que cria signos massificantes e uniformiza o comportamento estético. Nosso movimento pretende, sob uma ótica intertextual, utilizando vários códigos estéticos, redimensionar a literatura de cordel para um campo onde todas as linguagens sejam possíveis. Não somos nem erudito nem popular, somos linguagens. Entramos na obra porque ela está aberta e é plural. Somos poeta e guerreiros do amanhã. A poesia escreverá, enfim, a verdadeira história. Viva Patativa do Assaré e Oswald de Andrade.


Estamos revendo e relendo algumas questões. Para o ano 2010 está a previsto um encontro para pensar os 10 anos da Sociedade, quem sabe uma catarse? Gostaria de dizer que, na verdade, não foi exatamente a gente que se apresentou como os “diferentes”, foram os “iguais” que nos acusaram de não saber fazer cordel, de trair o cordel tradicional, estas coisas... Muitos sustentam ate que nós não fazemos literatura de cordel porque nós estamos quebrando dogmas, tabus do cordel. Mas este discurso já é tão previsível que já não nos importamos mais com isto.


Quanto à importância do movimento eu digo que este ainda não foi suficientemente compreendido, nem pelos membros, nem pelos apreciadores, nem pelos depreciadores. Falta pesquisa, falta pesquisa para entender isto... aliás, aproveito a entrevista para sugerir aos estudantes e aos estudiosos do campo da literatura e das políticas culturais que procure entender isto, pelamordedeus... Violeta Arraes, minha amiga magnífica, que esteve presente no lançamento dos Mauditos no ano 2000, disse-me, certa vez o seguinte: “este movimento de vocês vai dar panos para as mangas”... Espero que ela, como uma grande Carpinteira da cultura esteja certa... De qualquer modo, os Mauditos já são citados e estudados por alguns pesquisadores de instituições de fora do Cariri. Eu acredito foi uma grande experiência, e dou um grande Viva para os Mauditos do Juá.


Alexandre Lucas - Você já foi vitima de violência psicológica e física, enquanto mulher. Isso inibiu a sua produção poética?


Salete Maria - Engraçado, olhando para o meu trabalho tenho a sensação que quase sempre escrevi sob e sobre violência. Afinal a violência é uma das principais características de nosso tempo. Tem sido um fenômeno que nos invade todos os dias e não estamos imunes a ela, quer sejamos sujeitos pacíficos ou agressivos. Mas, de qualquer modo quando nos colocamos na posição de quem discute ou denuncia violências, como é o meu caso, passamos a ser alvos preferenciais. E isto tem sido um modo covarde historicamente utilizado por quem se julga poderoso para silenciar ou intimidar os que ousam contar outra versão da historia.


Costumo dizer que a violência não me intimida tanto quanto me indigna, não me petrifica tanto quanto me mobiliza, não me silencia tanto quanto me impõe a fala.


De minha parte, sempre coloquei minha palavra poética e política para combater as praticas de violência presentes em nosso meio social. Meus cordéis são meu legado, minha contribuição. De perseguida a ameaçada, sigo fazendo de minha poesia um parlatório ou um libelo crime acusatório contra tudo isto. Visitem meu blog e vejam o que dizem, dentre outros, os seguintes cordéis:
· Mulheres do Cariri: mortes e perseguição;
· Do direito de ser gay ou Condenando a Homofobia;
· Embalando meninas em tempos de violência;
· Mulher-consciencia: nem violência nem opressão.

Alexandre Lucas -Você se considera uma poeta marginal?

Salete Maria - Eu sou uma escritora de cordel, uma cordelista. Isto por si só já me coloca do lado de fora do cânone literário. No entanto, não me considero marginal apenas por este fato, afinal de contas outros autores de cordel estão sendo cada vez mais visibilizados pelos pesquisadores, críticos e amantes deste tipo de literatura e sendo (re)citados com grande aceitação. Um exemplo disto é o projeto da editora Hedra, que, a pretexto de resgatar e fazer justiça à literatura de cordel, lançou diversos livros contendo vida e obra de 50 importantes cordelistas homens, reconhecidos, principalmente, pela sua escrita em consonância com a gramática do dito cordel tradicional, da poesia dita ‘’popular’’, ignorando, portanto, vários outros escritores, mormente as mulheres, e criando novas marginalizações...


Sou, portanto, uma poeta marginal sob diversos aspectos, mas gostaria de citar três particularmente. Sou marginal por exclusão, assunção e experimentação...


Sou uma poeta marginal por exclusão porque estou situada literária, ideológica, geográfica fora do cânone. Ou seja, não escrevo a chamada grande literatura, não reproduzo os discursos dominantes e não me localizo nos espaços físicos onde circulam os grandes eventos e as grandes editoras, portanto, não caio na graça de muitos doutores ou folcloristas românticos autodenominados experts no campo.


Sou marginal por assunção, porque me reconheço e me assumo como de fora, da margem, da periferia, do outro lugar. E, em face desta atitude, vão se reforçando as outras formas de marginalização da minha obra, que se dá ate mesmo no Cariri cearense, este celeiro cultural, onde está situada a gráfica Lira Nordestina, da qual sou uma divulgadora e defensora e onde já imprimi diversos cordéis, bem como no seio da Universidade Regional do Cariri, onde laboro e curiosamente inexiste qualquer citação valorativa da minha obra, da minha poética, seja nos eventos, nos estudos e atividades de exposição e divulgação da literatura de cordel. Muito ao revés, o meu cordel tem sido expurgado por muitos que acreditam que ele gera um verdadeiro mal estar institucional, mormente porque, com ele, exercito a minha liberdade de expressão de modo incondicional. Como disse me assumindo poeticamente como out e o meu cordel marginal não rima, por decreto, em prol das autoridades de plantão.


Sou marginal por experimentação porque minha manifestação literária transita, desde há muito, entre o teatro, a musica, a dança, o bendito, a embolada, a fala, o discurso, cyber-espaço, o novo jornal, etc. Portanto, dispenso, deliberadamente, os meios tradicionais de circulação da minha obra, e vou preferindo que ela chegue à praça, a rua, a escola, a casa, a sala, ao ônibus, de um modo virtual ou distribuída de mão em mão, contanto que ele chegue às pessoas. Busco caminhos alternativos para divulgar o meu verso, e o faço também porque sem isto ele tenderia a permanecer ignorado dos novos públicos de quem tenho recebido criticas, elogios e, sobretudo, consideração.

Alexandre Lucas Você tem um blog que divulga as suas poesias. Você acredita que a internet é uma boa ferramentas para os artistas?


Salete Maria - Sem duvida que sim, a internet é um importante canal de comunicação, uma grande vitrine e para quem defende a democratização do conhecimento e das artes em geral, não é possível prescindir deste veiculo de informação. Foi exatamente pensando assim e desejando socializar a minha obra, que em 2007, após receber autorização para lançar o cordel A Historia de Zé Leitor, que a professora Sammyra Santana, especialista em Direitos Humanos, criou o blog Cordelirando, homônimo do cordel autobiográfico onde sintetizo a trajetória do meu versejar.
Este blog tem possibilitado o contato com leitores e pesquisadores de vários lugares do Brasil e de outros países, chegando, em 2008, a mais de 12 mil visitações.


Alem de divulgar a quase totalidade dos meus cordéis, o blog se apresenta como um grande mosaico, onde as capas são expostas de modo lúdico e criativo. Ademais disto, há espaço para noticias, recital e publicações relacionadas com o meu cordelirio, que não é possível encontrar em nenhum outro lugar.


O blog, portanto, é mais um sinal da relação social entre a poeta, a poesia, seus leitores e críticos e também serve de acervo para pesquisadores interessados em compreender minha composição.


Alexandre Lucas - Quando pretende lançar um livro?


Salete Maria - Primeiramente eu gostaria de agradecer imensamente por esta pergunta. E digo isto porque ela me possibilita problematizar algumas questões e desconstruir alguns preconceitos. Veja, trata-se de uma indagação que sempre me deixa um pouco intrigada e exige uma reflexão coletiva, sincera e profunda acerca da literatura de cordel. Senão vejamos. Todos nós sabemos que esta modalidade literária ainda é vista, por muitas pessoas, inclusive acadêmicos, como uma produção menor, secundaria, desimportante ou, seja, como uma não-literatura, o que faz com que os cordéis não sejam considerados livros e os cordelistas não sejam reconhecidos escritores.


E isto é assim por razões históricas, políticas, muito claras. O fato de ter sido produzido e consumido por classes subalternas, em sua maioria constituída por iletrados e analfabetos, ao longo dos tempos, especialmente em nossa realidade latina, e também por não ser objeto de estudo oficial nas faculdades de letras, faz com que o cordel sequer seja citado como literatura.


Mas é literatura, sim, seus autores são escritores, sim, e o que escrevem, quer recebam o nome de livreto, folheto, cordel, é, na verdade, um tipo de livro específico, particular. Até porque se aceitarmos a definição de literatura como “a arte de criar textos, de compor escritos artísticos” temos que a literatura de cordel é também produto de um trabalho de reflexão escrita, que requer conhecimento da técnica, até mesmo para desconstruir, exige preocupação e compromisso com a rima, com o conteúdo, como qualquer outro tipo literário.


Então não considerar o cordel como uma produção literária, ou seu produto como livro pode denota uma posição social e política que merece ser discutida, refletida, problematizada e transformada. Ademais, se em outras épocas o cordel foi desprezado, vê-se que, atualmente, há uma tentativa romântica de “valorizá-lo”, mas o mantendo no seu lugar social, ou seja, à margem. Sendo assim, não podemos mais permitir que a classe dominante, a seu bel prazer e através de seus representantes digam o que é arte, qual é a arte que tem valor ou que prive toda a sociedade do acesso a qualquer tipo de fazer artístico, e, tampouco decida quando lhe convier, como e quais modalidades literárias merece entrar no Canon institucional, concorda?


Sendo assim, ante esta reflexão e para responder a indagação, eu diria que já lancei inúmeros livros; pois tenho muitos cordéis publicados e prêmios recebidos em razão destas produções, certo?


Agora se você quiser saber quando vou lançar alguma coletânea, algum catálogo, alguma obra onde se possa encontrar toda a minha literatura reunida, aí eu digo que este é uma idéia que estou gerando, mas para mais a frente. Daí lançarei mais um livro e não o livro ou “um” primeiro livro, entende?


Insisto nisto porque se não falarmos assim, reforçamos a idéia de que cordéis não são livros, e se não o são, não merecem ser lançados, não devem ser comprados, não serão estudados, e, portanto seus autores não devem ser levados a serio. Aqui na Bahia assisti a um lançamento de cordel com o mesmo requinte, divulgação e participação e discussão com que se dá um lançamento de um livro convencional. Esta atitude desconstrói a idéia de que cordel não é livro e que seu lançamento deve ser escondido, modesto, acanhado.


Por isto, podemos e devemos desconstruir visões hegemônicas no campo literário também através da linguagem com a qual nos referimos às obras e seus autores, e com isto nos somamos a vozes dissonantes que emergem desde algum tempo na África, na Ásia e nas Américas, enfim (em países de passado colonial como o nosso), onde muito se luta pelo reconhecimento das manifestações culturais segregadas, excluídas, invisibilizadas historicamente.


Sabemos que o livro é uma criação da modernidade, ou seja, nem sempre existiu e não precisa existir no mesmo formato para sempre. Meu mais recente livro é meu blog, concorda?


Bom, de qualquer modo, um livro, neste formato comum, ainda não tive tempo nem grana para lançar, embora já tenha bastante material para isto. Ademais, ao longo desses últimos anos, por força do meu oficio profissional e acadêmico, tive que produzir e algumas vezes publicar fragmentos de petições, apelações, monografia, dissertação, artigos, papers, contos, poemas livres, e mais recentemente partes de minha pesquisa de tese doutoral, no entanto, no meio disto tudo, nunca deixei de escrever e publicar aquilo que é o meu maior prazer, ou seja, literatura de cordel.


Quem sabe eu publique um vade mecum em cordel em 2010, quando me desincumbo de tantas obrigações pessoais e profissionais?


Alexandre Lucas - Quais seus próximos trabalhos e quando retorna para o Cariri?


Salete Maria - Devo voltar definitivamente ao Cariri tão longo conclua minhas pesquisas de doutorado, portanto, espero que seja em breve.

Quanto aos meus próximos trabalhos, estou aguardando o lançamento do DVD Cordelirando que é parte integrante da Coletânea Mulher também faz cordel, gravado em Salvador pela grande cantora Socorro Lira, com direção de Gal Meirelles.


Neste trabalho o destaque é para o cordel intitulado Maria de Araújo e seu Lugar na História ou a Beata Beat Cult, lançado inicialmente em 2001, no SESC de Juazeiro e agora relançado em performance musical.


Também estou rabiscando dois textos ao mesmo tempo, pois sinto imensa necessidade de circulação em minha veia poética (risos)...

Remexendo meus escritos, vi que existem dois ou três cordéis que não foram publicados e talvez eu os publique no ano que se aproxima.


Espero ter a oportunidade de apresentar solenemente minha obra literária na Universidade onde laboro, a fim de torná-la conhecida de tantos quantos atuem no campo ou sejam amantes da literatura.


De uma coisa estou certa, meu próximo lugar de fala, com muita honra, será no Blog Coletivo Camaradas, a quem eu agradeço pela oportunidade e pela consideração.

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